A crise do Ensino Básico no Brasil não é culpa da pandemia

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 14.02.2022

O Brasil não vive uma crise educacional, como muitos pensam. Na verdade, o país não conseguiu estruturar o seu sistema de ensino, como fizeram outras nações desenvolvidas há muito tempo, só executando essa tarefa após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

A Constituição Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes e Base da Educação de 1996 (LDB) apontaram os caminhos. Ensino Básico, direito de todos e dever do Estado, obrigatório e gratuito nas escolas públicas.

Através de muitos estudos já realizados podemos observar que são longos os prazos para se cumprir as leis e implantar programas ou planos determinados. Os dirigentes políticos não se empenharam o suficiente pela educação brasileira, nem a sociedade se sente capaz para reivindicar o direito de todos, quando se refere à educação que é o ensino básico com qualidade em escolas públicas, gratuitas e com boa qualidade.

O Ensino Básico no Brasil, após a Constituição e a LDB, é responsabilidade dos estados e municípios, sendo estruturado em regime de colaboração entre União, estados e municípios, segundo o artigo 18 da Constituição, resguardando a autonomia de cada instância de governo.

Com o passar do tempo, mais de 30 anos, a organização do sistema de ensino de modo geral não vem sendo feito com a exigência que requer o seu objetivo, que é “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Constituição-art.205)

Através das avaliações de desempenho promovidas pelo Ministério da Educação e executadas em colaboração com estados e municípios, podemos observar que os resultados da aprendizagem são simplórios e muito baixos se comparados aos outros países. Segundo o MEC, em relação ao PISA, exame feito com alunos do ensino médio para medir conhecimentos de português, matemática e ciências “apesar do resultado ter melhorado no ano 2018, o Brasil ainda ocupa o 59º lugar do ranking geral do Pisa, que foi aplicado em 79 países”.

As avaliações realizadas pelo IDEB/PISA/INEP/OCDE nos mostram constantemente a lentidão que move o sistema educacional brasileiro, sobretudo no ensino básico, cuja denominação indica a importância do processo de aprendizagem nesta fase para que o aluno possa traçar o seu caminho para chegar à vida adulta.

Em seu artigo bastante instigante sobre “Os novos desafios da Educação básica”, Cesar Benjamin, ex secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro escreve o seguinte: “No século XIX, o Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão. No século XXI, será um dos últimos a abolir o analfabetismo. Ambas as condições são a negação absoluta da democracia e da civilização… não temos soluções claras para este desafio, mas já avançamos em várias frentes, como a expansão da rede, os sistemas de avaliação e as formas de financiamento da educação. Estamos diante de um paradoxo: todos defendem a educação, mas há décadas ela fracassa, sem que isso impulsione um debate sério e um conjunto de ações abrangentes e eficazes. A educação básica nunca foi prioridade na agenda brasileira. Em geral, governantes não são recompensados quando investem na boa pedagogia nem são punidos quando a deixam de lado, pois o esforço educacional é silencioso e prolongado no tempo. Não produz resultados imediatos e espetaculares”.

Todos nós brasileiros, letrados ou não, sabemos que isso é verdade e sabemos também que não priorizar uma política de ensino básico interfere na desestruturação de outras políticas públicas fundamentais ao exercício da cidadania e ao desenvolvimento do país.

A pandemia por si só não é a responsável pelo aprofundamento da crise na educação, especialmente no ensino básico.

A pandemia chegou de forma brusca, mas encontrou as escolas em sua maioria desaparelhadas, estruturas físicas sem manutenção, escolas sem banheiros, sem água para higiene e até mesmo sem água potável, classes superlotadas de alunos, inexistência ou espaço reduzido para atividades esportivas e recreação.

Muitas escolas não conseguem repor materiais didáticos, esportivos e mobiliário necessário ao bem-estar do aluno e à manutenção do ensino. Quando dispõem de computadores não estão conectadas à internet e muitas delas não dispõem de computadores ou estão conectadas a sistemas de controle.

A UNESCO apresentou um trabalho sobre a “Qualidade da Infraestrutura das Escolas Públicas do Ensino Fundamental no Brasil” com base nos dados do Censo Escolar/MEC de 2013 a 2017, em sua análise considerando as disparidades regionais e outros aspectos relacionados às escolas estaduais e particulares.

O estudo aponta que houve evolução dos indicadores em todas as redes, sobretudo nas escolas municipais, exatamente as que mais precisam melhorar. As escolas nas áreas urbanas geralmente apresentam melhor desempenho que as rurais, e quando se trata de escolas que têm apenas o ensino fundamental, têm também a pior infraestrutura.

Segundo o estudo da UNESCO, nas regiões sul e sudeste estão as escolas com médias mais altas para todos os indicadores em comparação às escolas do norte e nordeste. Mas, o nordeste avançou mais que as outras regiões, com destaque para os resultados do Ceará.

O Estudo da UNESCO é muito amplo, porque analisa a infraestrutura escolar do sistema de ensino em várias dimensões, tendo produzido indicadores diversos, a partir dos indicadores de complexidade definidos pelo Instituto Anísio Teixeira-INEP.

A complexidade escolar que produz o conhecimento necessário à aprendizagem dos alunos que se encontram no ensino básico é muito mais difícil de ser compreendida quando abordados os instrumentos indispensáveis à absorção e produção de conhecimentos, de modo geral, como a formação dos professores, os materiais didáticos utilizados, o conteúdo dos livros didáticos e uma série de questões que compõem o que eu chamo de situação de subjetividades, presentes na relação entre professor e aluno e que também impulsionam o processo de aprendizagem. Como exemplo disso, a capacidade de liderança do professor, o interesse dos alunos, a empatia gerada na sala de aula, a situação social do aluno, entre outros.

As nossas escolas por esse país afora apresentam muitas diferenças no seu ofício de ensinar, ao mesmo tempo em que desconhecem fatores que são essenciais ao desenvolvimento do trabalho do professor.

Como diz o César Benjamin no início do seu texto, os políticos não são punidos ou recompensados se a educação vai bem ou não, se os alunos aprendem ou não, se o país é prejudicado no seu desenvolvimento, se a educação contribui ou não para uma sociedade mais justa.

A pandemia não é responsável pela crise que se prolongava há décadas, apenas acentuou o problema de forma drástica, apontando a sua profundidade com os números apresentados pelo Movimento Todos pela Educação: “aumenta em um milhão o número de crianças de 6 e 7 anos, não alfabetizadas, na percepção dos responsáveis. Entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever. O número passou de 1,4 milhão em 2019 para 2,4 milhões em 2021” (Nota técnica- Todos Pela Educação).

Se até hoje não conseguimos ter todas as crianças na escola, desde a creche até chegar ao ensino médio; se há o abandono da escola na figura da evasão escolar e as avaliações indicam que o aprendizado da maioria dos alunos não é compatível com suas necessidades de aprendizagem, não é possível prosseguir neste caminho.

A sociedade, em nome da cidadania, deve tomar de conta!

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do blog Falou e Disse.

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