Caso Heloísa Gabrielle: faltou proteção

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 04.04.2022

Porto de Galinhas, no município de Ipojuca (PE), uma das praias mais bonitas do estado, procurada por turistas do mundo inteiro, famosa por suas piscinas de águas claras onde as pessoas chegam até lá conduzidas por jangadeiros em suas embarcações à vela, sob rígido monitoramento da gestão ambiental, foi o cenário da morte de Heloísa Gabrielle, cinco anos de idade, quando brincava com outras crianças no terraço da casa de sua avó.

O motivo da morte: baleada no peito por uma operação da Polícia Militar contra o tráfico de drogas na região. Uma vizinha, segundo a imprensa, afirmou “que a polícia perseguia um criminoso”.

Moradores, no entanto, afirmam que os policiais chegaram ao local atirando. A Polícia Civil abriu um inquérito e investiga o que aconteceu, mas sempre demora para que saibamos a verdade.

A criança era filha única.

O Batalhão de Operações Especiais (BOPE) socorreu a criança para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas a fragilidade do corpo tão pequenino não suportou o impacto das balas.

Imediatamente houve reação da comunidade, como não poderia deixar de acontecer. Comercio fechado, carros incendiados, ruas interditadas, bem semelhante ao que acontece em outras regiões brasileiras quando a revolta pede licença diante dos descalabros inaceitáveis. Uns chamam de vandalismo, mas é difícil conviver com a permanente insegurança gerada pela violência causada pela guerra entre grupos criminosos e pela ausência das ações de proteção do Estado brasileiro, nos bairros periféricos.

A população sofre, perde seus filhos.

A polícia diz que cumpre seu planejamento estratégico, mas é comum que crianças, adolescentes, jovens sejam as vítimas do que se chama de bala perdida.

No caso de Heloísa, a bala não foi perdida. Interrompeu uma vida ainda no seu alvorecer. Matou uma criança que brincava e tinha uma vida inteira pela frente, para estudar, se desenvolver, gerar outros filhos e contribuir com a sociedade.

Porto de Galinhas tem esse nome porque tem uma história relacionada ao tráfico de escravos.

Consta nos relatos sobre a colonização que o nome “Porto de Galinhas” vem de muito tempo atrás. Era chamada Porto Rico, devido à extração de pau brasil. Após a aprovação da lei que proibiu o tráfico de escravos, em 1850, conhecida como Lei Euzébio de Queirós, pessoas negras continuavam sendo escravizadas clandestinamente. Desviados de Recife, onde havia fiscalização, os negros desembarcavam nesta praia escondidos por engradados que traziam também galinhas de angola, apreciada pela culinária dos senhores de engenho. A chegada dos escravos na beira-mar era anunciada pela senha “Tem galinha nova no Porto!”. Por causa disso, Porto Rico ficou conhecida como Porto das galinhas.

Atualmente foi transformada num dos principais polos turísticos do Nordeste, com vasta rede hoteleira, restaurantes e comercio de artesanato.

Informações do G1-Pe indicam que naquele momento, aproximadamente dez mil turistas ocupavam a rede hoteleira – dados do Trade Turístico de Porto de Galinhas – na noite de quinta 30 de março, coincidentemente aniversário da cidade. Ipojuca completou 176 anos, a cidade estava em festa, feriado municipal, quando o medo e a perplexidade tomaram conta de todos.

A área de turismo foi também atingida porque propicia lazer, entretenimento, repouso aos turistas que se deslocam de outros países e de outros estados, em seu momento de férias, proporcionando emprego e sendo principal fonte de renda da população.

Ipojuca é um município que recebe os benefícios dos royalties do petróleo decorrente da instalação do Porto de Suape em seu território. Para 2022, Ipojuca terá um orçamento estimado de R$ 1.100.253.000,00 (Um bilhão, cem milhões, duzentos e cinquenta e três mil reais), conforme aprovado pela Câmara Municipal de Vereadores em dezembro de 2021.

A população estimada é de cerca de 100 mil habitantes e a rede de ensino municipal tem aproximadamente 22 mil alunos matriculados em Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

A menina Heloísa Gabrielle estudava na Escola Municipal Amara Josefa da Silva, matriculada na Educação Infantil.

Estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) com base nos dados das Secretarias de Segurança Pública em vários estados têm demonstrado que a morte de crianças e adolescentes tem crescido sob o pretexto da bala perdida, com maior destaque para o Rio de Janeiro.

Quando uma criança morre como Gabrielle a família inteira é atingida e a população da sua comunidade é tomada pelo sentimento de revolta, abandono pelo poder público e falta de confiança na segurança pública.

Sobre Heloisa, tão pequena, não se saberá nunca sobre os seus desejos, que direção daria à sua vida, quantas poesias poderia escrever, quantas canções poderia compor ou quais instrumentos poderia tocar.

O que sabemos é que somos um país carente de políticas públicas de proteção às crianças e às nossas famílias.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Foto destaque: noticias.uol.com.br – Protestos pela morte de Heloísa Gabrielle