A atualidade da Alegoria da Caverna
Enildo Luiz Gouveia*
Em 19.04.2022
Por vezes, é menos doloroso acreditar nas sombras projetadas, uma espécie de Matrix, que ser ofuscado temporariamente pela luz do saber.
Como um apaixonado pela filosofia antiga, de onde herdamos indagações ainda pertinentes, sempre me vem à lembrança a Alegoria ou Mito da Caverna, cuja autoria é atribuída ao filósofo Platão (428 – 348 a.C), que foi discípulo do filósofo Sócrates e que fundou a escola filosófica denominada A Academia.
Mais de 2300 anos depois, eis que tal alegoria ou mito se faz ainda presente, visto que, apesar da busca incessante pelo conhecimento e pela verdade, convivemos com negativas das evidências que se apoiam em preconceitos, convicções religiosas duvidosas e ignorância. É claro que quem já leu a Alegoria da Caverna sabe que são muitos os seus significados: ciência, religião, política, etc.
Em síntese, o Mito da Caverna nos mostra que aquele que por esforço da razão descobre a verdade e passa a contestar a realidade vigente, encontra dificuldades e, por vezes, é ameaçado pelos que insistem em permanecer na ilusão seja por comodidade, influência do meio e dos que os cercam, ou convicções pessoais. Por vezes, é menos doloroso acreditar nas sombras projetadas, uma espécie de Matrix, que ser ofuscado temporariamente pela luz do saber.
Durante a pandemia da Covid-19 que se arrasta até os nossos dias, em todo o mundo se levantaram vozes que buscavam contradizer o que a ciência comprovara, ou seja, que o melhor remédio para combater tal pandemia era e é o distanciamento social aliado ao uso de máscaras, álcool em gel, higiene e vacinas. Percebemos que apesar das evidências concretas, algumas pessoas preferem seguir na contramão, colocando suas vidas e as das outras pessoas em risco. Nesse sentido, acrescentamos que as redes sociais se tornaram uma nova caverna onde a verdade tornou-se relativa, algo de menor importância.
Especialmente no Brasil, outro fenômeno busca reforçar a dependência das pessoas que se tornaram verdadeiras adoradoras e reprodutoras das mentiras publicadas nas redes sociais. Temos um presidente que busca a todo custo legitimar o direito de mentir e, para tanto, afronta a democracia, o poder Judiciário e a inteligência das pessoas. Assim, busca-se não libertar as pessoas e sim, mantê-las acorrentadas tal qual aquelas que permaneceram presas na caverna platônica, acreditando nas sombras como sendo a realidade.
No meio de tanta turbulência e fluxo de informações, a reflexão e a confrontação do dito com a realidade tornam-se armas indispensáveis. A realidade não mente, não é relativa, nem ilusão. Mudam-se as interpretações sobre o mesmo fato, mas, o fato em si, não muda. Assim, cabe a cada um de nós, se de fato desejamos a libertação e a busca infindável pela verdade, o esforço cotidiano para tentar sair da caverna e convencermos as demais pessoas a sairem de sua condição de meros espectadores.
*Enildo Luiz Gouveia – Professor Dr. em Geografia, especialista em Filosofia, Teólogo, poeta, cantor e compositor. Membro da Academia Cabense de Letras – ACL.