Et Verbum caro factum est

Por

Jénerson Alves*

Em 04.11.2022

Meu irmão tinha mais ou menos nove anos quando decorou o prólogo do Evangelho de São João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Ele passava o dia todo repetindo o versículo, talvez como uma prova de uma gincana da Escola Dominical. Do alto dos meus seis anos, mais ou menos, eu ouvia aquelas palavras e as achava bonitas, mas não entendia o que queriam dizer. Acho que ainda hoje não compreendo.

No grego, a palavra para ‘Verbo’ é ‘Logos’, um termo criado pelo filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso para se referir à Razão que ordena a natureza. Ele explicava o Logos como a força criadora eterna, a alma do mundo, marcada pela característica de se revelar e se ocultar de forma contínua. O Logos é anterior ao kosmos. Para a fé cristã, o Logos é o Amor que ama desde antes da fundação do mundo.

Pois bem; esse Verbo se fez carne. Et Verbum caro factum est. A palavra ‘carne’ denota a porção mais inferior, perecedora, corruptível do homem. O padre António Vieira nos declara: “Quis Deus converter o Mundo, e que fez? Mandou ao Mundo seu Filho feito homem. Notai. O Filho de Deus, enquanto Deus, é palavra de Deus, não é obra de Deus: Genitum non factum”.

O Eterno se encarnou e, assim, converteu o cotidiano em sublime. Acho que essa é uma das mensagens mais belas do Evangelho, que nos convida a olhar o terreno por meio da perspectiva celeste. Lamentavelmente, também acho que essa é uma das mensagens menos lembradas atualmente. O ser humano busca elevar-se a si próprio e, nesta empreitada infrutífera, desce aos pântanos mais tenebrosos. Sem o Verbo, a carne entra em putrefação. Resta a mim concordar com Vieira: “No Céu ninguém há que não ame a Deus, nem possa deixar de o amar. Na terra há tão poucos que o amem, todos o ofendem”. Inclusive eu.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.

Imagem: Divulgação