Política, religião e futebol
Enildo Luiz Gouveia*
Em 08.12.2022
A tríade do título desse artigo foi, e ainda é como que a síntese do Brasil. Quem de nós não já ouviu alguém dizer que política, religião e futebol não se discutem? Se no caso da política estejamos nos referindo unicamente à política partidária ou simplesmente eleitoral, de fato, não faz muito sentido perdemos tempo com tal discussão. No caso da religião, se enveredamos pelo discurso de superioridade que se propõe colocar uma única expressão religiosa como verdadeira, e as demais falsas ou demoníacas, também não faz nenhum sentido discuti-la. Já no caso do futebol, se ficarmos restritos aos desempenhos de clube A ou B nos campeonatos, ou ainda de seleção A ou B em mundiais, esta de fato se torna uma discussão inútil.
A grande questão é que, se concordamos com a afirmação de que estes três elementos não se discutem, contribuiremos inevitavelmente para a continuidade de processos de alienação coletiva. A política define as nossas vidas permeando a questão do trabalho, da economia, dos direitos, da organização social, etc. Nesse sentido, não discutir a política é isentar-se de seu papel enquanto cidadão e cidadã. Por outro lado, a religião enquanto fenômeno do espectro da dimensão individual e coletiva, pode e deve ser discutida, visto que, especialmente em países como o nosso, não se pode desconsiderá-la quando se quer ter uma análise aprofundada da realidade. Não se trata de discutir dogmas, e sim, de discutir a função social da religião. E futebol? Bom, poderíamos ampliar esta discussão para os esportes como um todo. Assim, pode-se discutir futebol, voleibol, natação ou outro tipo de prática esportiva enquanto um direito, ou ainda, enquanto atividades que potencializam a saúde e as ações humanas tanto individuais quanto coletivas.
A Copa do Mundo do Catar, que está sendo realizada neste ano, é um bom exemplo de como estes três elementos estão entrelaçados, demonstrando que a Copa não é apenas um entretimento. Assim como no Brasil, competição desse tipo tem sido utilizada por vários países ao redor do mundo como estratégia de promoção internacional, e ao mesmo tempo, como forma de desviar a atenção para os problemas de ordem política, econômica e social existentes. O mundo ocidental, que atua como patrulha moral do restante do planeta, literalmente fecha os olhos para as violações de direitos humanos, especialmente no tocante aos direitos das mulheres que ocorrem no Catar. Tudo isso em nome de alguns bilhões de dólares. Além disso, em boa parte do mundo árabe/mulçumano, Religião e Estado/Política se fundem de tal forma que fica difícil definir quem é quem. Assim como no período medieval, no mundo ocidental este tipo de relação provoca arrotos de autoritarismo e violações diversas.
No nosso caso, parece que parte da população brasileira insiste em ignorar as lições da História e sonha com a volta de tal tipo de relação. Algumas lideranças religiosas, especialmente da “bancada evangélica”, parecem desejar a submissão do Estado/Política à Religião. Ora, quando a política adentra o terreno da religião acontece o que vimos durante o pleito eleitoral deste ano: o uso de templos como palanques, a coação e a compra de lideranças. Por outro lado, quando a religião adentra o terreno da política, têm-se os autoritarismos e a tentativa de impor sua crença, seus valores aos demais, visto que parte-se do princípio que eles são os melhores, os verdadeiros.
Para não concluir um tema tão complexo e importante, deixo aqui um apelo para que sejamos menos emotivos e mais tolerantes. A tolerância e o respeito são valores que devem perpassar a política, a religião e o futebol (esportes). Sem tolerância, de fato, toda discussão sem torna vã.
*Enildo Luiz Gouveia – Professor, poeta, cantor, compositor e teólogo. É membro da Academia Cabense de Letras – ACL
Imagem: Medium