Memórias do próximo Carnaval
Enildo Luiz Gouveia*
Em 18.02.2023
Sérgio Sampaio há muitos anos cantou: “Eu quero botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer…” Uma canção de protesto em plena ditadura militar e que hoje ainda é entoada nos carnavais. Inicio este texto fazendo esta referência por acreditar no Carnaval. Sim, ao contrário dos críticos e pessimistas, o Carnaval é de suma importância tanto do ponto de vista cultural como econômico. Os governos, especialmente dos municípios, lucram, pois a economia envolvida em torno dos festejos é dinâmica e democrática. Há os que propagam a violência neste período, mas, é preciso dizer que roubos e violência infelizmente não são características apenas do período carnavalesco.
Para além das disputas sem sentido em saber qual o melhor Carnaval do Brasil (Recife? Rio de Janeiro? Salvador? São Paulo? São Luis?…) o que estamos vendo em 2023 é um grito de liberdade. Após dois anos sem a realização da maior festa do país devido a pandemia de Covid-19 e, após um processo eleitoral conturbado cujas consequências ainda estão sendo sentidas, onde em várias prévias do país ouve-se ainda gritos da campanha eleitoral passada, especialmente em palcos da Cultura Popular que foi tão perseguida no governo anterior, mostrando que o Carnaval é também forma de expressão política.
Devido ao cansaço, ando preferindo as prévias. O Carnaval mesmo é demais pra mim. Mas ainda assim acho espetacular a entrega das pessoas, a criatividade e a paixão envolvidas. Fico pensando que Moacyr Franco tem razão ao cantar que “A nossa vida é um carnaval, a gente brinca escondendo a dor…”. Como num país tão desigual, com tantos gargalos pra resolver, com tanta intolerância pode, num período como este, se reinventar, criar fantasias, emocionar o mundo? É impressionante, por exemplo, a resistência dos grupos de Caboclinhos, Maracatus, Afoxés, Blocos Líricos, Coco de Roda, Pastoris e Reizado dialogando com bandas de rock, reggae, pop, etc. no Carnaval do Recife e Olinda. Apesar de toda pressão midiática e comercial, estes grupos não abrem mão da tradição e por isso terminam fazendo a diferença, colorindo e encantando as pessoas.
O Carnaval deste ano tem um simbolismo e significado especiais. Marca de certa forma um recomeço. A pandemia não foi superada ainda, mas avançamos na vacinação e no combate ao negacionismo. Mas não podemos esmorecer! Todo cuidado é pouco! O contágio pelo vírus (da covid, da ignorância e do fascismo) é uma realidade. Vamos brincar a vontade, com responsabilidade e solidariedade. Há uma luz no fim do túnel, já diz o samba: “sonhar não custa nada”. Que este Carnaval fique na memória e nos ajude a construir os próximos carnavais. Oxalá!
*Enildo Luiz Gouveia – Professor, poeta, cantor, compositor, teólogo. É membro da Academia Cabense de Letras – ACL.
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