E essa noite que não acaba…
Jaques Cerqueira*
Em 12.07.2020
Nos abrigos de idosos, certas noites parecem não acabar nunca. Principalmente quando está chovendo. E todas as vezes que desperto, ainda é madrugada. O céu escuro. Nunca levo em conta que costumo ir para a cama antes das 20h. Mas, de qualquer jeito, a madrugada se torna irremediavelmente longa. Como tenho a mania de deixar o relógio na cabeceira da cama, ele fica me dizendo: Ainda é 1 hora. Vá dormir. Duas horas, ainda é cedo. Descanse. Não são 3 horas ainda. Para que toda essa agonia? São apenas quatro horas, se aquiete.
Antes das 5 da manhã, me levanto. Muitas vezes mais cansado do que quando me deitei. Tento, então, relembrar os sonhos intercalados que tive, como capítulos de uma novela inacabada e bastante surreal. Quando lembro algum, tento decifrá-lo. Afinal, dizem que sonhos são mensagens para nós pobres mortais. E quase nunca consigo entendê-los. Daí, fico sentado na beira da cama por um bom tempo, cabelos em desalinho, pijama todo amassado e os pensamentos a mil.
Ouço o cantar irritante e insistente do galo na casa vizinha ao abrigo. Isso quando o casal não briga em voz alta. De forma quase rotineira a cada manhã. O clínico-geral que vem ao abrigo a cada quinze dias já me receitou um sonífero. Mas, não vi muito resultado. A não ser passar o resto da manhã de ressaca, como se eu tivesse bebido todas na noite anterior, como bebia na juventude.
De repente, descubro que estou à beira do desânimo irreversível nessa minha busca insana pelo sono perfeito. Aquele em que você deita e dorme direto até despertar de uma vez, descansado e com energias renovadas. Mas, qual o quê? A cada noite, minhas batalhas se repetem e sempre perco para esse meu inimigo oculto – o sono. Para piorar, ontem o médico me disse que uma boa noite de sono é recomendada, inclusive, para prevenir doenças graves, como ansiedade, depressão, Alzheimer, sem falar no envelhecimento precoce.
Daí, desisto do sonífero e parto desesperadamente para as receitas caseiras. Já tomei suco de maracujá no almoço e chá das folhas de maracujá, uma hora antes de deitar. Nada! Aí recorri a outros tipos de chá: camomila, valeriana, erva-cidreira… E minha insônia resistindo. O relógio de cabeceira parecia passar a madrugada inteira rindo da minha agonia, ao me ver rolando de um lado para o outro da cama, brigando com o travesseiro e o ventilador.
Naquela manhã, um amigo de quarto que consegue dormir direto notou minhas olheiras e se aproximou de mim. Em tom amigável me perguntou se podia me dar uma dica para ter uma boa noite de sono. Abri um sorriso e assenti com um movimento de cabeça. “Pegue um bom livro ao se deitar, acenda a luz de cabeceira e se entregue de corpo e alma à leitura. Em algum momento você vai conseguir dormir”, disse ele. Tiro e queda!
Deitei pouco antes das 20h, peguei emprestado “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Marquez, e mergulhei na leitura. Por volta de 1 hora da manhã, a insônia se rendeu. Só acordei depois das 7h, com a cabeça leve e a alma em festa. Mas, antes de dobrar o lençol, o relógio me fez um comentário irônico: Bastam seis horas de sono. Pra que tentar dormir oito ou nove horas?
Só então entendi por que minhas noites não acabavam nunca.
*Jaques Cerqueira é jornalista e escritor. Escreve aos domingos.
Dura realidade!