Eu vou tirar você desse lugar

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 17.02.2024

Ontem à noite assisti a uma bela cena na novela Renascer, da TV Globo. Matheus Nachtergaele dançava demonstrando grande encantamento com uma atriz que não reconheci uma música dos anos 70 que tocava muito nos cabarés.

Tempo no qual as oficinas mecânicas e barbearias tinham suas paredes tomadas por calendários de lindas mulheres com pouquíssima roupa e esbanjando sensualidade.

Desconheço a trama da novela e os nomes das personagens, mas creio que o casal, maduro, se encontrava em um bordel na Bahia. Eles dançavam apaixonadamente a música Eu vou tirar você desse lugar, de Odair José.

A primeira estrofe da música diz assim:

Olha, a primeira vez que eu estive aqui/ Foi só pra me distrair/ Eu vim em busca do amor/ Olha, foi então que eu lhe conheci/ Naquela noite fria/ Em seus braços, meus problemas esqueci.

Adiante diz que vai tirar a mulher daquele lugar, e por aí vai.

Me lembrei de imediato da Rua das Florentinas, no coração do Cabo de Santo Agostinho (PE). Uma ‘zona proibida’ a poucas dezenas de metros da Rua da Matriz, onde residia a nata da sociedade. E a poucas centenas de metros das igrejas de Santo Amaro, do Livramento, da Matriz de Santo Antônio, das igrejas Presbiteriana, Batista e Assembleia de Deus, e ainda da Prefeitura e do Fórum.

Há pouco tempo, colhendo informações para um novo livro, conversei com senhoras e religiosas que faziam trabalhos de evangelização e batiam de porta em porta da Rua das Florentinas, no início da década de 1980.

A Rua das Florentinas era muito frequentada por senhores ‘bem casados’, como se dizia na época. Eram muitos os recursos para se chegar à ‘zona’ sem serem vistos. Mas, muitos foram observados por aquelas senhoras e religiosas evangelizadoras.

Era constrangedor para elas ver aqueles senhores a quem conheciam e às suas esposas, inclusive da igreja, como confessaram. Não citaram nomes e eu também não solicitei que o fizessem.

Muitos casais foram formados a partir de casos semelhantes ao da música de Odair José. Em todos os lugares, em todos os tempos, desde sempre.

Infelizmente, longe da atmosfera de amor que a canção sugere, o que ocorre normalmente nesses ambientes de sedução são cenas brutais de desrespeito à mulher.

Brutalidade que já surge nas casas das quais em muitos casos – ou na maioria deles – elas foram expulsas – em grande parte ainda adolescentes – por pais embrutecidos que certamente deitaram com jovens também desprezadas, também em bordéis.

Os bordeis da Rua das Florentinas foram desativados na segunda metade da década de 2010. Cafetões e cafetinas tiveram que transferir seus ‘serviços’ para outros endereços mais afastados do centro da cidade. Casas comerciais e residenciais ‘apagaram’ as luzes vermelhas e azuis sob as quais se dançava músicas como a de Odair José saídas de potentes e luminosas radiolas de ficha. Mocinhas já não precisam desviar o olhar da Rua das Florentinas como lhes era recomendado ou determinado por seus pais, quando necessitavam passar nas proximidades para irem, por exemplo, ao INSS, na esquina da rua ‘proibida’.

A Prefeitura tem planos para transformar a Rua das Florentinas em espaço cultural. Caso essa ‘promessa’ se concretize, saudosos certamente retornarão à antiga rua para lembrar com mais detalhes da primeira vez que lá estiveram, alguns apenas por curiosidade juvenil.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.