Importunação
José Ambrósio dos Santos*
Em 19.02.2024
Fim de dia e de expediente e o ônibus está lotado.
Trânsito caótico, quase parando.
Dois senhores, sentados, não param de falar, baixinho, mas o suficiente para que as pessoas que eles criticam ouçam, e muitas mais.
De vez em quando um cochicho seguido de gargalhadas debochadas.
O alvo, um casal de mesmo sexo visivelmente incomodado, mas intimidado.
Na cadeira de trás dos falastrões uma jovem senhora tenta ler um livro de contos.
Mais um cochicho seguido de mais uma zombeteira gargalhada.
A jovem senhora olha em volta, fecha o livro e, em voz alta, como se estivesse lendo, inicia um discurso reprovador aos homofóbicos:
E então se travou o seguinte diálogo entre entre a filha e o pai… iniciou.
– Você gosta de viver à sua maneira?
– Sim – respondeu o pai.
– Você adora viver à sua maneira?
– Sim, claro – retrucou, já levantando a voz.
– Você se incomoda se alguém dá pitaco por discordar da sua maneira de viver?
– Mas é claro que sim, ora essa!
Os dois se calam e olham para trás, encabulados.
A jovem senhora, atenta aos movimentos, abre o livro em qualquer página e arremata:
– Fica furioso se alguém zomba de você, lhe repreende ou até lhe agride por discordar da sua maneira de viver, das suas opções?
Aplausos de canto a canto do ônibus.
Os dois falastrões se levantam, calados, pedem parada e descem do ônibus, ainda ouvindo os aplausos.
*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.
Excelente forma de falar de questões bastante pertinentes e importantes de dizer que qualquer forma de amar vale a pena.. qualquer maneira de amar vale aquela..
Correto, Silvia. É necessário se respeitar o próximo, sempre.