Melhor levar à dúvida que levar a nada

Por

Ivan Marinho de Barros Filho*

Em 15.07.2020

Para quem estou falando? Ou escrevendo? Às vezes não sei como iniciar um texto, principalmente quando sei que vai ser público. Aprendi a conviver com idéias que me parecem muito pessoais de tanto não encontrar ressonância no debate público, pelo menos na estância em que vivo.

Como sei que não sou o único a “atravessar esses desertos de cinzas movediças”, me ponho na obrigação de não calar “enquanto o instante existe”. Aliás, tenho sobrevivido à solidão com certa resignação e até alguma alegria, graças a Lisbon Revisited, de Fernando Pessoa sob heterônimo de Álvaro de Campos, ou A Solidão e Sua Porta, de Carlos Penna Filho; os Campos de Trigo de Van Gogh, ou a ponte de O Grito de Edvard Munch, ou o Adeus de Torquato Neto, a A Queda de Camus, o O processo de Kafka, ou mesmo os Versos Íntimos do Augusto dos Anjos, que ouvia desde muito pequeno pela boca de meu avô André Teixeira Costa, também poeta.

Rendida à lógica banalizante do Mercado, a realidade constrói alicerces paradigmáticos que parecem confluir até no sentido social de classes. Se por um lado o povo (ou, sociologicamente, a classe oprimida), em tempos de banalidade generalizada, se debate com sua identidade em expressões vulgares, reprodutivistas e semelhantes à pobreza simbólica para a qual é empurrada pelos canais de TVs, por outro lado as elites neo-coloniais absorvem, naturalmente, os engodos anglo-saxões, com um orgulho mais baixo que medíocre por se sentir com acesso ao produto do império.

Um dia, num recital, um desses poetas “contemporâneos” que diz fundir as expressões de criação artística interrompeu sua apresentação para dizer: “O músico é fulano… ele é inglês, viu?”.

Ainda, pensando sobre essas embromações neo-pós-tudo, após um debate sobre artes plásticas e literatura, com o escritor Luiz de Aquino e o professor da Universidade Católica de Goiás, o artista plástico Amauri Cunha, em João Pessoa, uma “artista plástica”, dessas que usa saltos de quase um metro e nariz empinado, quase à tocar as nuvens, dona de uma capacidade de incompreender as coisas (é, esse é o grande mote intelectualóide pós-moderno: não compreender) mostrou foto de uma instalação de sua autoria e, com relação aos riscos que botara em bolas brancas que se sucediam repetitivamente na parede (também branca), disse: “esses signos que estão nas bolas nem eu sei o significado!”. Pois creia: Signos sem significados. Pode Freud?

Há algum tempo venho me inquietando com esse abacaxi de plástico que querem enfiar de nossa goela abaixo e que denominam de arte contemporânea. E, se tiver um pouco de sorte, não vou ser comparado com Monteiro Lobato ao redigir o Paranóia ou Mistificação.

Há alguns anos, no programa O Secretário da Cidade (TVU) um professor da UNICAP professava a vitória do feio, apresentando um livro que trata do assunto. Em determinado momento da entrevista, ele dizia que o caos social contemporâneo se refletia na criação, levando o artista a transformá-lo em arte. Já ouvi dizer que a arte imita a vida, que a vida imita a arte e agora escuto que a arte imita a barbárie, ou a neo-bárbárie, como poderia ser chamada.

No prefácio do meu livro Anti-horário, o poeta Alberto da Cunha Melo trata da “permanente perplexidade” refletida nas artes do nosso tempo, como se quisesse alertar sobre esse caminho, equivocadamente sem fim, que vem se arrastando desde o início do século passado, com as experiências de Marcel Duchamp e a afirmação do projeto neo-liberal.

Muitos justificam essa anomia, pela condição processual da existência humana, ou pela ausência de verdades absolutas, visto que, positivistamente, são todas provisoriamente condicionadas pelo processo histórico-ontológico.

Penso que, mesmo sendo o homem responsável pela construção de seu próprio caminho de adaptação, isso não signifique que não possa definir finalidades para sua produção material e imaterial. Se somos uma natureza em construção, então se deveria pensar no que queremos para essa natureza.

O homem é o único animal

Na sanha a tatear no escuro

Em busca de sua natureza

Estranha, que está no futuro.

 

Termino como comecei, sem saber como terminar. Gostaria de escrever sobre os Salões e Bienais de artes plásticas, ou da perplexidade diante da complexidade como instrumento divisor de classes, ou das possibilidades idiossincráticas ou de identidade grupal…

Não gosto de terminar com reticências, portanto, que eu leve à dúvida!

*Ivan Marinho de Barros Filho é professor, especialista em Economia da Cultura.