Fotografia como ato político e a representatividade da juventude preta
Ana Julia Anjos Agência ANF
Em 16.07.2020
“Eu faço da fotografia meu ato político. Muitos dos meus são retratados de maneira triste, infelizmente em situações difíceis. O objetivo do meu trabalho é dar visibilidade e mexer com a autoestima da população preta, em especial de Recife, em Pernambuco. Ver o seu espelho em outra pessoa é importante, então quero que meus irmãos pretos e pretas se olhem e se sintam representados. Logo, minhas fotos vêm como firmamento na questão da pessoa negra na sociedade”. Quem tem este discurso na ponta da língua é Ronald Santos, 22 anos, morador do Coque, na Ilha Joana Bezerra, região central do Recife.
Ele sempre foi amante das artes e da comunicação e aos 18 anos iniciou um curso de comunicação social, e durante a disciplina de fotografia a paixão pela arte visual ficou ainda mais forte. Então resolveu investir e aprimorar sua técnica para qualificar seu trabalho. Nessa época começou estudar e entender sobre o movimento Black Power, deixou o cabelo crescer, com a tentativa de iniciar a carreira como modelo, porém vieram várias questões que o impediram. Uma das situações era o preconceito, segundo Ronald, sempre que enviava convites para agências, o retorno dos fotógrafos era “você é bonito, mas não se encaixa no padrão de beleza da gente”.
A partir disso, resolvi me aprofundar na fotografia para fazer algo diferente, e criou o projeto social “Crespografia” onde dá a voz às pessoas com cabelo crespo, cacheado ou negros. O projeto tenta inspirar jovens através de suas fotos. As imagens mostram pretos e pretas com grandes sorrisos no rosto, em momentos alegres. Uma característica de suas fotografias é serem montadas de forma rara, como por exemplo o despejo de tinta, trigo, e água nas cabeças de seus modelos; em memória de um livro sobre um menino negro que ficou feliz ao derramar um líquido sobre sua cabeça quando o coroavam Rei.
Observar as imagens é um ato que traz reflexões, e acima de tudo felicidade. É essa sensação que Ronald pretende passar para as pessoas que visualizam a sua arte.
“A população não valoriza nossa cultura, e só dão visibilidade quando um negro morre. A importância do meu trabalho é não mostrar uma história única do povo preto. Minha arte tem o poder de compartilhar que podemos sim ser felizes e contadores das nossas próprias narrativas”, é assim que ele define o valor de suas obras que já foram vistas e compartilhadas por pretos e pretas influentes no Brasil, como Emicida, Iza, Gabi Oliveira e Rashid, além de ter sua foto compartilhada no Instagram da empresa Canon.
Como diz Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é a carne negra” e para Ronald a maior motivação é saber que outros jovens pretos de sua comunidade podem se inspirar em seus conteúdos, já que são retratados pela sociedade como objetos sem valores.
“Eu uso muito um provérbio africano chamado Ubuntu que significa ‘eu sou o que sou pelo que nós somos’, se estou aqui representando minha comunidade através da fotografia e pretos influentes compartilham, isso faz parte de um quilombo gigantesco da nossa vida que nunca acabou. Ter meu trabalhado identificado faz parte do Ubuntu. É muito mais gratificante passar para pessoas pretas, da minha comunidade, do meu estado, e do meu país que se sentem identificados com os sorrisos”.
No início, a proposta do Crespografia era ser apenas um projeto fotográfico, mas se tornou uma família. Com a pandemia do novo coronavírus, o grupo continua unido, conversando em redes sociais e sempre se fortalecendo. Para o jovem, são esses momentos que marcam na carreira, pois deixam de ser apenas um na comunidade para serem vários.
Foto destaque: Foto: Ronald Santos Cruz