Desprezar a ciência é um risco

Por

Vivaldo José Breternitz*

Em 17.07.2020

Quando Galileu Galilei afirmou, no início dos anos 1600, ter concluído que a Terra girava em torno do sol, com certeza muita gente não acreditou; afinal, naquela época a ciência quase não se distinguia da bruxaria e Galileu quase pagou com a vida o fato de ter divulgado suas conclusões – foi acusado de bruxaria.

Mas agora, em pleno século 21, há pessoas, ao menos teoricamente instruídas, que não dão atenção e até mesmo desprezam a ciência. Essa postura está ligada às falhas gritantes de nosso sistema educacional, que não ensina ciência e não divulga seus avanços, os quais podem ser observados a cada momento.

Porém, o que realmente impressiona é o fato de que governantes de grandes nações, como Bolsonaro, Johnson e Trump, aliando ignorância a interesses eleitoreiros, mostram desprezo à ciência e agridem cientistas sérios, vão à televisão com um discurso repleto de grosserias e tornam-se responsáveis por milhares de mortes ao incentivarem pessoas a ignorar os riscos do coronavírus, cuja chegada já era prevista pela ciência há décadas; já em 2015 Bill Gates havia dito que não era questão de saber se uma pandemia aconteceria, mas quando.

Agora esses indivíduos parecem estar mudando seu discurso, passando a usar máscaras, dizendo esperar a rápida chegada de uma vacina e de medicamentos que permitam enfrentar eficientemente a covid-19 quando ela se manifestar.

E isso pode acontecer: a evolução da ciência permitiu que em apenas duas semanas o genoma do coronavírus fosse isolado e sequenciado, e informações acerca dele fossem disseminadas entre cientistas de todo mundo, o que está acelerando a busca da vacina e dos medicamentos. Se a pandemia tivesse chegado no ano 2000, ao invés de duas semanas, teriam sido necessários meses.

O jornalista italiano Marco Magrini, fazendo menção aos fatos envolvendo esses personagens (Galileu, Bolsonaro, Johnson e Trump), diz que acreditar nos cientistas apenas quando se precisa resolver um problema e não quando se é avisado acerca dele, é como acreditar em bruxaria.

Outra área em que essa postura se repete é a das mudanças climáticas. Os cientistas estão avisando, pelo menos desde os anos 1980, que os danos provocados pelo aquecimento global causado pela atividade humana serão imensos, maiores que os gerados pela atual pandemia. O nível do mar pode subir até sete metros, eliminando áreas agriculturáveis e riscando do mapa cidades e até mesmo países inteiros, como a Holanda e Bangladesh. Fome e deslocamento de milhões de pessoas serão inevitáveis e estamos recebendo sinais frequentes acerca do que está por vir, como temperaturas de até 21 graus positivos registradas em 9 de fevereiro na Antártida.

Os produtos da ciência podem ser utilizados para o mal. Ela pode errar, mas quando praticada com seriedade dá bons frutos; essa seriedade exige a aplicação do que chamamos “método científico”, que tem suas origens no tempo de Galileu e cientistas como Descartes e Newton também contribuíram para seu desenvolvimento. De maneira simplista, esse método consiste em observar com ceticismo os fatos sobre o tema que se pretende pesquisar, formular hipóteses baseadas nessas observações e testar essas hipóteses para verificar se são válidas.

Na atualidade, não se dá crédito apenas às conclusões de apenas um cientista. O trabalho do pesquisador é regulado por um sistema de revisão por pares, em que o trabalho é revisado por outros cientistas antes de ser divulgado e acatado pela comunidade.

O que se espera é que daqui para a frente os eleitores de todo o mundo se conscientizem da importância da verdadeira ciência e votem naqueles que compartilham valores semelhantes.

* Vivaldo José Breternitz é doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Artigo extraído de Congresso em Foco.

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