“Realidade” paralela
Enildo Luiz Gouveia*
Em 10.01.2025
Um discurso sobre a realidade remonta à ideia de verdade. O que é de fato a verdade? Ela é única ou podemos falar no plural? Independentemente de qual for a opção, uma coisa é certa, a verdade está no fato, naquilo que acontece, se manifesta, não apenas concretamente, diante de nós. Ai reside outra questão: se a verdade é a realidade em si, ou seja, o fato, porque há discursos tão contraditórios sobre ela?
Na filosofia é conhecida a revolução copernicana do filósofo Kant. Basicamente a ideia é que os objetos e fatos não existem por si só. Eles passam a existir quando são trazidos à luz pelo sujeito observador. O físico Thomas Young (século XIX), estudando o comportamento da luz através do experimento conhecido como dupla fenda identificou que a natureza da luz (ondas ou partículas) é alterada quando observada. Mas o fato é que a luz continua a mesma. Assim, podemos concluir que o observador ao observar altera não o objeto/fato, mas a compreensão sobre o mesmo, e daí retira sua verdade, inventos e visão de mundo.
Tendo o cuidado de não cair no relativismo exagerado diante de afirmações que se colocam como verdades absolutas, seja na religião, na política ou até mesmo no conhecimento (episteme), é preciso procurar sempre a correlação entre o discurso e o fato. Dai chega-se à seguinte conclusão: nossa visão em geral busca o conveniente, aquilo que satisfaz nossas preconcepções sobre a realidade. Na ausência de preconcepções somos tentados a aderir ao primeiro discurso minimamente organizado e feito de forma incisiva. Dito de outra forma, a aderência não é com a realidade, mas com a comodidade que nos traz satisfação e a sensação de estarmos certos.
No limiar deste novo ano é sintomático que no Brasil e no mundo existam tantas interpretações para os mesmos fatos. Cada um, cada uma, mediado por suas convicções procura impor suas verdades aos demais. E para isto não importa a eliminação simbólica, cultural ou violenta do outro. O discurso vencedor é quase sempre de quem detém o poder (econômico, militar e midiático). Molda-se a realidade aos seus interesses, negam-se os fatos, distorcem-se a história e, assim, arrebatam milhões de mentes desavisadas ou incultas que passam a acreditar fielmente na realidade paralela criada ou manipulada com o objetivo aparentemente nobre de manter o status quo civilizatório.
*Enildo Luiz Gouveia é professor, poeta, cantor, compositor e teólogo. É integrante da Academia Cabense de Letras
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