A guerra
Ayrton Maciel*
Em 19.07.2020
O radicalismo, qualquer que seja o gênero, tem um ponto em comum: é cego. Por natureza, tende à violência, nas palavras e nas ações. Não tolera o contraditório, não convive com o contraditor. A política tem sido a face mais exposta dessa cegueira em uma década. A ideologia é seu pano de fundo. O Brasil não a nega. O que deveria ser debate é açoite, tolerância é desprezo, convivência é rancor. “Eu não te perdoo porque você não me perdoa, portanto és meu alvo” é a máxima. Irracionalidade, morte do (ser) humano.
Mas, por que, então, abordar nosso irracional? Em 2014, já insuflada, a direita e o PSDB não aceitaram a derrota. Época em que o tucano Aécio Neves era o líder da moralidade pública e do combate à corrupção, gestor da insatisfação que parte do País compreensivamente estocava. Em 2016, o impeachment de Dilma Roussef, do PT, guilhotinou o debate político-ideológico e puxou a esquerda para o embate no pântano da radicalização. O campo de batalha mais explícito dessa cegueira é a internet.
Redes sociais e aplicativos de mensagem se transformaram em canhões de disparos arrasadores, espaço onde a maior vítima tem sido a verdade. 2018 foi mais que um teste de experimentação tecnológica de armas de combate, foi a formatação prática de uma estratégia tecnológica-digital de guerra, que veio para ficar e que, por ser virtual, é devastadora, porque a munição é a comunicação, a ‘fake news’, a difamação para atingir o objeto. Disparos em massa como uma metralhadora giratória é capaz de conquistar a vantagem. O inimigo está em qualquer computador, celular, usando a mesma arma.
Mais que amizades e laços de família, que podem contornar os abalos de relação em uma guerra, a verdade não tem como contornar. A mentira tem sido a guilhotina da verdade. Não sem dor para o País, ao contrário do que pressupôs o francês e criador Joseph Guilhotin. Uma morte irracional e lenta do debate, pelas próprias palavras, é dolorosa. Em meio à cegueira do radicalismo, muitos dispensaram a imprensa profissional como principal fonte de informação. Não leem jornais, sites e revistas, não assistem noticiários de TV, não escutam boletins de rádio. Ou porque todos os veículos são de esquerda ou porque todos estiveram a serviço de um golpe em 2016.
Em meio a esse corredor polonês, qual papel gostariam os radicais que a imprensa desempenhasse? O de agradar? A cegueira pode ser uma epidemia. O irracional é cego e pode ser um vetor de transmissão. Como na obra de José Saramago (Ensaio sobre a Cegueira), de repente uma epidemia de cegueira sem explicação transforma a cidade num caos. No nosso caso, sem explicação racional, que transformou o País num campo de radicalismo.
É sintomática a cegueira política. O radical não se informa pela imprensa e, se a acessa, não vê qualquer verdade no que lê, vê ou escuta. Aceita como única e verdadeira fonte de informação as redes sociais e as mensagens por aplicativos. O radical não aceita a informação crítica que a imprensa passa, não faz e não admite a crítica da informação que recebe das redes e aplicativos. Palco perfeito para as ‘fakes news’ e seu compartilhamento.
É sintomática a cegueira político-ideológica. Mesmo que saiba que é fake, o cego a propaga como verdade, não importa o dano que cause se os fins são o que lhe interessa. Pessoalmente, o meio é o instrumento, o radicalismo é a fonte e a morte da verdade é o preço do desejo.
O radicalismo no BR atual é anencéfalo. Não tolera qualquer sinal de luz. Sendo um elo na corrente, é capaz de reproduzir que a terra é plana e que vacina mata. Ou, do outro lado do juízo, vê o universo como maior inimigo e a imprensa (como regra) representação do poder econômico e de classe dominante. Em todos os casos, o irracional mata a sensatez.
*Ayrton Maciel é jornalista. Escreve aos domingos.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.