Pernambuco se despede do poeta Eugênio Jerônimo
José Ambrósio dos Santos*
Em 27.04.2025
Pernambuco se despede hoje de um genuíno representante da veia poética do Serão do Pajeú, berço de consagrados nomes da poesia nordestina. Natural de Iguaracy, Eugênio Pacelli Jerônimo dos Santos encerrou a sua jornada terrena na manhã de ontem. O apaixonado coração do autêntico ‘caboclo sonhador’, como canta o seu conterrâneo Maciel Melo, desacelerou quando ele ainda marchava para ‘inteirar’ – utilizando a sua fala matuta, mesmo sendo Mestre em Linguística – aos 59 anos de idade. Poeta, escritor, declamador de causos, professor, cronista e contista, ele ocupou com brilhantismo a Cadeira de número 18 da Academia Cabense de Letras (ACL).
“Eugênio representa a regionalidade poética sertaneja no litoral de Pernambuco de uma forma muito significativa e como poucos! Dono de uma perspectiva única para o recitativo. Nossa, vamos lamentar bastante…”, escreveu em uma rede social a jornalista e escritora Tereza Soares, integrante da Academia Cabense de Letras.
Também integrante da Academia Cabense de Letras, o comunicador e poeta Abidoral nos brinda com um poema de um verso só, mas que descreve precisão a grandeza literária e poética de Eugênio Jerônimo:
UM POETA EXTRAORDINÁRIO
Um poeta de alma genuína
Dedicado ao extraordinário
Fez história com seu vocabulário
E seus versos até hoje nos fascina
Ser do bem sempre foi a sua sina
Melhorando o nosso dia a dia
Era um craque em tudo que fazia
Mas seu tempo na terra terminou
Nosso Eugênio partiu e não deixou
Outro gênio com a sua maestria
Abidoral
O professor, poeta e compositor Enildo Luiz Gouveia foi outro que recorreu aos versos para homenagear o confrade da ACL:
MORTE E IMORTALIDADE
Como pode a morte
Desafiar a imortalidade?
Chegando de surpresa
Na surdina da maldade
Chega o dia e só ela
Sabe o momento certo
Sem convite adentra o corpo
Põe seu nome no caderno
A morte prova teu valor
Se eras querido de verdade
Há os que chorarão, outros risos
Enquanto flutuas na eternidade
Ser eterno até que dures
Se teu plantio for sereno
Imortal serás pra sempre
Teu recordar será fraterno.
Enildo
2025
Na memória do confrade Eugênio.
Em nota de pesar, a Academia Cabense de Letras destaca que Eugênio Jerônimo construiu uma trajetória notável na literatura e na educação. Mestre em Linguística pela UFPE, professor dedicado à área de linguagens, publicou as obras “Aluga-se janela para suicidas” (2009); Gramática do chover no Sertão” (2016) e, em coautoria, a biografia “O que eu disse e o que me disseram – a improvável vida de Geraldo Freire (2017). Sua criatividade também se estendeu ao teatro e à música nordestina, sendo autor de roteiros, espetáculos e letras musicais.
Neste momento de dor – prossegue a nota – a Academia Cabense de Letras se solidariza com seus familiares, amigos e admiradores, rendendo homenagens a este mestre das palavras, cuja presença e legado permanecem eternizados na cultura e no coração de todos que tiveram o privilégio de conviver com ele.
Também integrante da Academia Cabense de Letras, o multiartista Ivan Marinho deixou registrada em vídeo essa descontraída conversa com o confrade Eugênio Gerônimo.
Amante da literatura e da arte de escrever, Eugênio contribuiu com o blog Falou e Disse, do qual sou editor. Suas crônicas eram publicadas sempre aos sábados.
Taperas da língua
Eugenio Jerônimo*
Em 03.10.2020
Foi Guimarães Rosa quem metaforizou o lugar-comum. Segundo o escritor, trata-se das taperas do idioma. Nas comunicações cotidianas, essas frases feitas e desgastadas pelas intempéries da repetição dão segurança aos falantes, mas, em qualquer uso da língua que se erga do feijão com arroz comunicativo, seu emprego faz o texto paupérrimo.
Qualquer opção para descrever o mover-se de um rio é melhor que dizer “o rio serpenteia”. “Perda irreparável” é outra construção deteriorada pela utilização. A primeira, de um Romantismo decalcado; a segunda, de um Realismo de segunda mão.
O efeito de lugares-comuns sobre outras áreas pode nos ajudar a ver as ruínas que eles produzem na linguagem verbal.
Na pintura. Um casal se beija num barquinho que rema sozinho para um pôr de sol carregado nas tintas lúgubres no final de um rio de águas pacientes. Ah, sim. Ia esquecendo da sacra gaivota circulando em torno da bola do sol alaranjada. Que tal se a gaivota sequestrasse a moça, ou o rapaz?
No futebol. O passe óbvio. A jogada de segurança. Se essas jogadas minimizam o risco, impossibilitam a plástica.
Alargando-se o sentido, as frases feitas existem também no jeito de viver. Na vida, essa atitude corresponde a percorrer os caminhos já andados. A só atravessar os rios pelas pontes. A não descobrir novas rotas. A não aceitar o desafio das águas, com a possibilidade de encontrar margens inéditas. O percurso confere segurança, mas também mediocridade.
Com as muletas dos lugares-comuns ninguém cai, mas também não executa cambalhotas. Com elas não se faz arte. Nem vida.
*Eugenio Jerônimo é escritor. Autor de Aluga-se janela para suicidas (2009, contos); Gramática do chover no Sertão (poesia, 2016); O que eu disse e o que me disseram – a improvável vida de Geraldo Freire (2017, biografia – em coautoria). Escreve aos sábados.
Eugênio Jerônimo generosamente aceitou assinar a Apresentação do meu próximo livro, A MENINA DOS OLHOS GRANDES – Contos, crônicas e outros escritos, que deverá ser lançado em breve. Ele escreveu: Os pés de andarilho e olhar de ficcionista de Ambrósio permitem-lhe reunir um leque de muitos assuntos – todos costurados por seu viés crítico e sonho de um mundo menos desumano – e dar ao leitor e à leitora essas histórias acondicionadas em vários gêneros: contos, crônicas, poesias, memórias, manifestos.
*José Ambrósio dos Santos é jornalista, escritor e integrante da Academia Cabense de Letras.