Paulo Freire pode substituir nome de racista na Universidade Columbia, nos EUA
A ideia é que o educador brasileiro dê nome ao prédio da Faculdade de Educação
Enquanto no Brasil, o nome de Paulo Freire, patrono da educação, tem sido contestado oficialmente, no Teachers College (TC), a Faculdade de Educação da Universidade Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, o nome de Paulo Freire pode vir a nomear o prédio Thorndike Hall – que homenageia Edward Thorndike, um psicólogo cuja obra demonstra ideias racistas, machistas, antissemitas e eugênicas.
Columbia é uma das mais prestigiadas universidades do mundo, tendo entre seus ex-alunos presidentes americanos como Theodore Roosevelt e Barack Obama.
Para a renomeação virar realidade, alunos e professores da Faculdade de Educação lançaram uma carta direcionada ao conselho de diretores do Teachers College para pressionar que Paulo Freire seja o nome escolhido para substituir Edward Thorndike. No documento, afirmam que o próximo homenageado precisa expressar os compromissos da universidade.
Reforçam, nesse sentido, que as lições de Paulo Freire se coadunam com um dos princípios fundadores do Teachers College, que é “fornecer um novo tipo de educação para os mais desfavorecidos, dedicado a ajudá-los a melhorar a qualidade de suas vidas cotidianas”. Assim, defendem que “a pedagogia promovida por Freire está intimamente alinhada com a missão da universidade: promover a equidade e a excelência na educação e superar a lacuna no acesso e desempenho educacional”.
Para Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire, conhecida como Nita, o nome de Paulo Freire condensa tudo aquilo pelo o que trabalhou a vida inteira “por autonomia, libertação, tolerância, respeito e dignificação do outro. É um homem que propôs uma redenção deste mundo de ódio, querendo que todos nós sejamos pares um do outro, com suas diferenças, consensos e dissensos, mas que não seja um mundo tão cruel como está sendo agora”.
Segundo ela, a renomeação do prédio é mais um dos capítulos do movimento de derrubada de estátuas de escravocratas pelo mundo, como de Cristóvão Colombo, em Baltimore, nos Estados Unidos, e Edward Colston, em Bristol, na Inglaterra. Para Nita Freire, a mudança de nome também reflete esse desejo de passar a homenagear nomes que melhoraram a sociedade.
“Acho que está havendo uma revisão no mundo inteiro disso: de não se homenagear homens que, em vez de melhorar, enfeiaram a sociedade. Esses homens não podem continuar como líderes, patronos a serem seguidos”, afirma Freire, que também é é doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Hoje, o nome de Paulo Freire ganhar espaço na Universidade Columbia significa reforçar as suas ideias, que atualmente representam “a grande possibilidade de o Brasil sair dessa decadência, desse obscurantismo e é por isso que eles (governo Bolsonaro) têm tanto ódio” de Paulo Freire. Em dezembro de 2019, ao sair do Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro chamou o educador de “energúmeno”.
Um mês antes, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que “Paulo Freire é um vodu sem comprovação científica” e ameaçou retirar o mural do patrono brasileiro do Ministério da Educação.
Leia a carta na íntegra:
“Caros membros do Conselho Diretor do Teachers College, Columbia University,
Em primeiro lugar, queremos agradecer a decisão corajosa de remover o nome de Edward Thorndike de um de nossos prédios. Suas ideias eugenistas, racistas, antissemitas e sexistas são incompatíveis com os valores institucionais desta universidade e seu compromisso com a justiça social, o antirracismo, a diversidade e equidade educacional.
Entendemos que os indivíduos que dão nome aos prédios do Teachers College representam, inspiram e reforçam os valores da instituição. Tão importante quanto se afastar de Thorndike é ter um processo para escolher o novo nome que reflita o compromisso do Teachers College com o debate, a democracia e a oportunidade de voz a todos. Também é fundamental escolher um novo nome que expresse os principais compromissos da universidade em uma sociedade global. O Teachers College se transformou de uma instituição voltada para os EUA em uma escola verdadeiramente global: seu impacto hoje atinge o mundo inteiro. Neste contexto, solicitamos ao Conselho considerar fortemente a nomeação deste prédio PAULO FREIRE HALL, pelas seguintes razões:
1. As perspectivas de Paulo Freire sobre Educação reforçam um dos princípios fundadores do Teachers College:“fornecer um novo tipo de educação para os mais desfavorecidos, dedicado a ajudá-los a melhorar a qualidade de suas vidas cotidianas.” A pedagogia promovida por Freire está intimamente alinhada com a missão da universidade: promover a equidade e a excelência na educação e superar a lacuna no acesso e desempenho educacional. Essas noções são exatamente o que Freire propõe em seu trabalho, destacando que as pessoas, através da educação e do desenvolvimento da consciência crítica, podem mudar o mundo para melhor. Paulo Freire também foi o pioneiro da pedagogia culturalmente relevante, uma eixo fundamental do Teachers College.
2. Paulo Freire é um dos autores de educação mais influentes de todos os tempos. Considerando a influência acadêmica medida pelas atuais métricas de citação, Paulo Freire se destaca como o educador mais citado de todos os tempos, com quase 500.000 citações, e um dos estudiosos mais citados em todos os campos. Seu livro seminal Pedagogia do Oprimido tem mais citações no Google Acadêmico do que “A Interpretação dos Sonhos”, de Freud, e “Disciplina e Punição”, de Foucault, foi traduzido para mais de 40 idiomas e está presente nos programas de numerosos cursos do Teachers College.
3. Destaque a vozes de fora dos EUA e reconhecimento do mesmo valor a líderes do Sul Global. Para ser coerente com sua Missão de Diversidade, o Teachers College deve considerar nomear seu edifício em homenagem a uma voz do Sul Global e reforçar o compromisso do reitor e da instituição em relação à comunidade, diversidade, civilidade, equidade e antidiscriminação. Nomear um edifício em homenagem a Freire se destacaria como um sinal claro de adesão à diversidade em escala global e à ideia de que nós, como educadores, devemos considerar diferentes maneiras de conhecer e de ser. Nenhum dos prédios do Teachers College presta homenagem a estudiosos internacionais, apesar do fato de o Teachers College ser hoje uma instituição altamente internacional: 20% dos estudantes são internacionais e, em alguns programas, o número está bem acima de 60%. Em outras palavras, em muitos programas, mais da metade dos estudantes são internacionais.
4. Reforçar o valor da consciência sociopolítica e da liberdade em tempos de governos autoritários. Aceitar que todos os indivíduos têm direito a ser tratados com dignidade e a ter as mesmas oportunidades está em contradição com muitas das atuais ideias conservadoras e autoritárias que estão ganhando popularidade em todo o mundo. Nomear o prédio em homenagem a Paulo Freire seria um meio de defender os oprimidos em todo o mundo e reforçar a busca do Teachers College por uma ordem social menos desigual.
5. Em 2021, Paulo Freire completaria 100 anos. Seu centenário é uma oportunidade para não apenas homenagear seu legado, mas também reconhecer os esforços de muitas comunidades ao redor do mundo que são inspiradas por seu trabalho, desde comunidades indígenas na Amazônia até o Movimento Sem Terra na América Latina. Essas comunidades são atingidas duplamente com a desigualdade global, opressão e racismo: primeiro, são oprimidos em seus próprios países e, segundo, por estarem fora do mundo desenvolvido, não têm meios de fazer ouvir suas vozes. Paulo Freire inspira esses grupos há décadas.
Reconhecendo a decisão oportuna e correta de mudar o nome do edifício, também instamos a Diretoria a ser coerente com o compromisso do Teachers College de abrir o debate e dar voz a todos. Precisamos garantir que o processo de escolha do novo nome para o edifício seja transparente e democrático, onde estudantes, professores, pesquisadores e funcionários tenham a capacidade de se envolver ativamente nesse processo. Um processo sem representação de estudantes internacionais, sem permitir que eles expressem preocupações e preferências, não faria sentido frente uma mudança tão importante no Teachers College.
A opção por Paulo Freire Hall é uma mensagem clara contra os discursos colonialistas que colocam os EUA e a Europa no centro do debate acadêmico. Paulo Freire Hall representa o reconhecimento de que os EUA e a Europa nem sempre devem ser considerados o lugar da imaginação e da importância acadêmica. É isso que aprendemos no Teachers College. Aprendemos que discursos de superioridade racial, nacional ou de gênero devem ser combatidos e que o privilégio histórico dado às regiões desenvolvidas do mundo não deve ser reproduzido indefinidamente. O Paulo Freire Hall seria um reconhecimento claro de que o Teachers College, como instituição global, rejeita essas noções colonialistas e analisa o impacto de pesquisadoras e pesquisadores globalmente, especialmente aquelas e aqueles de regiões do mundo historicamente marginalizadas. O desejo de justiça social e igualdade não pode se dar às custas da desumanização de populações periféricas.
A escolha do novo nome para o prédio do Teachers College deve ser uma expressão de nossos valores no próprio processo de tomada de decisão. Não devemos deixar que nada supere a necessidade de um debate aberto. Existem quase 1000 estudantes internacionais no Teachers College. Existem vários discursos de justiça social no mundo, e supor o contrário seria um ato político infeliz para a grande comunidade de estudantes Latino Americanos no Teachers College”.