O desconforto da zona de conforto

Por

Enildo Luiz Gouveia

Em 30.07.2020

Já há alguns anos que tento terminar este texto. Agora, diante de uma nova realidade imposta pela pandemia, resolvi terminá-lo. Mário Sérgio Cortella escreveu que “a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação”. Penso que estamos condenados eternamente a ser incompletos.

Digo isto porque é grande a tentação de sucumbir a tranquilidade da nossa zona de conforto. Como diria Guimarães Rosa “o animal satisfeito dorme”. Não se trata em desligar-se de tudo. Mas, de passar a ligar apenas pra aquilo que nos afeta ou que pode resolver os nossos problemas. Embora a espécie humana seja gregária, somos antes de tudo, indivíduos. Assim, olhamos os outros e o mundo a partir de nós mesmos. Medimos a felicidade ou infelicidade dos outros segundo os nossos padrões.

O filósofo romano Sêneca disse certa vez que se desejássemos a justa medida das riquezas, primeiro tivéssemos o necessário e depois, o suficiente. Antes dele, outro filósofo chamado Eurípedes (século V a.C) nos legou que “ao sensato basta o necessário”. E ai está o problema: o que é o necessário? O que é o suficiente diante do consumismo capitalista? Em termos materiais o necessário e o suficiente são bem distintos. Para os povos originários (indígenas, por exemplo) a floresta é necessária e suficiente. Para a geração Alpha (nascidos a partir de 2010) um celular com internet não é só necessário e suficiente, como é indispensável.

Percebe-se que as necessidades mudam de acordo com o desenvolvimento das pessoas, de acordo com seus valores e cultura. A zona de conforto pode ser um estado momentâneo para, logo em seguida, vir o desconforto em querer sempre mais. A satisfação e a quietude do ser é utopia ( u – não, topos – lugar) mas, como diria o geógrafo Porto-Gonçalves: “Afinal, só quem é muito realista sabe o valor da utopia”.

*Enildo Luiz Gouveia é professor, poeta, compositor e membro da Academia Cabense de Letras .

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