Juiz declara que professor foi torturado e morto pela ditadura militar
Revista Consultor Jurídico
Em 01.08.2020
O juiz federal Fabio Kaiut Nunes, da 1ª Vara Federal de Jales (SP), anulou a autópsia realizada no professor Ruy Carlos Vieira Berbert, morto em 1972 na Cadeia Pública de Natividade (em Goiás à época), declarando ser a sua causa mortis por “asfixia mecânica por enforcamento, decorrente de maus tratos e tortura”.
Além disso, em memória ao seu nome, o magistrado determinou que a União instale em praça pública, no centro de Jales, um busto em homenagem a Berbert. O mesmo foi determinado em relação ao estado do Tocantins, em praça pública no centro de Natividade. Já o estado de Goiás deverá publicar o inteiro teor legível da sentença nos dois jornais de maior circulação em território nacional.
Na decisão, o juiz também condenou a União e os estados de Goiás e do Tocantins, solidariamente, a indenizar em R$ 500 mil, por danos imateriais, a irmã de Ruy e determinou a retificação de sua certidão de óbito pelo Cartório de Registro de Pessoas da Comarca de Natividade, atualmente pertence ao Tocantins.
Originalmente, a ação foi proposta pela mãe de Ruy, Ottília Vieira Berbert. Todavia, com o seu falecimento antes da sentença ser proferida, a irmã tornou-se a sucessora natural na ação, sendo a principal beneficiada da decisão.
No pedido, a autora alegou, subsidiada pelos relatos de testemunhas e relatórios da Comissão Nacional da Verdade, que Ruy Carlos Vieira Berbert foi preso no bojo da “operação ilha”, supervisionada por forças militares federais contra militantes da guerrilha do Araguaia, movimento entre fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970.
A autora também narrou que a efetiva prisão se deu por autoridades policiais do estado de Goiás no final de 1971, em Natividade, vindo a ser morto na cadeia pública da cidade na madrugada de 2 de janeiro de 1972. De acordo com ela, o laudo de necropsia foi subscrito por um “enfermeiro formado e uma enfermeira”, havendo a indicação de suicídio como causa mortis, tendo como base apenas o exame externo do cadáver e sem qualquer foto do corpo na posição em que foi encontrado.
Em sua defesa, a União contestou as matérias de mérito, arguiu a preliminar processual de falta de interesse de agir e a impossibilidade jurídica do pedido. No entanto, reconheceu a sua responsabilidade sobre os fatos declarados no processo. “Atualmente, não há mais dúvidas acerca das arbitrariedades e barbaridades cometidas por agentes a serviço do Estado, não somente da União.”
O estado de Goiás, por sua vez, alegou a prescrição da pretensão indenizatória, na mesma linha de defesa apresentada pelo estado do Tocantins.
Na decisão, o juiz ressalta que o conjunto de provas trazidos no processo indicou que o laudo de necropsia não foi realizado por peritos oficiais e também não houve a justificativa relevante quanto ao motivo para a dispensa de peritos oficiais. “Todavia, apesar da verificação de hematoma profuso no dorso, que poderia indicar a ocorrência de morte violenta, não houve exame interno que descrevesse as lesões e indicasse os sinais vitais interrompidos com a cessação da vida, permitindo assim fazer a correspondência médico-legal com as efetivas causas da morte.”
O magistrado constatou que, decorridos mais de 48 anos da morte, o cadáver e os restos mortais de Berbert não foram apresentados, apesar de diligências periciais relativas à tentativa de localização e exumação para esse fim. “Portanto, tendo por base a soma dos relatos das testemunhas do Juízo; os relatórios da Comissão Nacional da Verdade; os relatos colhidos quando da tentativa frustrada de localização e exumação dos restos mortais; bem como os demais elementos de prova trazidos aos autos, reputo ser a sua causa mortis a asfixia mecânica por enforcamento, decorrente de maus tratos e tortura nas dependências da Cadeia Pública de Natividade.”
No presente caso, avaliou Kaiut Nunes, os danos são incontroversos, praticados contra um cidadão brasileiro, morto por agentes públicos após ser preso, maltratado e torturado e que perdeu a possibilidade de estudar, de se graduar e de encetar uma profissão ou de constituir família própria. “O ponto nevrálgico da memória de Ruy Carlos Vieira Berbert, a ser estabelecido perante a população brasileira, é de um cidadão que sofreu prisão ilegal por agentes públicos e depois de morto seu cadáver foi ocultado e jamais entregue à família”, concluiu.
Clique aqui para ler a decisão
0000374-64.2014.403.6124