Amanda Machado/Ascom TJPE
Em 09.08.2020
Pai é aquele que está presente no dia a dia, oferecendo amor, cuidado e vivendo na prática todas as emoções, desafios e incertezas que envolvem a criação de um filho. Diante disso, o reconhecimento da paternidade socioafetiva se constitui como uma importante ferramenta para tornar legal uma situação já estabelecida na prática. Para milhões de crianças e adolescentes que não possuem o nome do pai na certidão de nascimento, isso pode significar o preenchimento de uma importante lacuna emocional e, para aqueles já registrados com o nome do pai biológico, um duplo reconhecimento de amor.
Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Provimento nº 63, editou as regras para o reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva diretamente em cartório. Dois anos depois, houve uma mudança na regulamentação e, por meio do Provimento nº 83/2019, a autorização extrajudicial foi concedida apenas para maiores de 12 anos de idade. Com a modificação, para crianças com idade inferior o reconhecimento só é possível por meio de uma ação judicial própria.
De acordo com o provimento do CNJ, é possível incluir na certidão o nome de um pai socioafetivo, desde que sejam seguidos os critérios estabelecidos. Nos casos em que o adolescente já possui o nome do ascendente biológico registrado, é preciso que este autorize a inclusão. Além disso, o pai afetivo deve ser maior de 18 anos e ser pelo menos 16 anos mais velho que o filho. O adolescente também precisa estar de acordo com o reconhecimento da paternidade, que pode ser feito por um tio, padrinho, amigo ou padrasto, por exemplo. Não é permitido que o reconhecimento seja feito por irmãos entre si e ascendentes.
Para que a paternidade seja oficializada em cartório, o pai deve comprovar o vínculo afetivo estável e externado socialmente. Isso pode ser feito por meio da apresentação de documentos como apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou órgão de previdência; registro oficial de que residem no mesmo domicílio; fotografias em eventos públicos; declaração de testemunhas; e comprovação de casamento ou união estável, caso seja o padrasto do adolescente. Atendendo aos critérios, o pedido de reconhecimento é encaminhado para elaboração de um parecer do Ministério Público.
A juíza da 11ª Vara de Família e Registro Civil da Capital, Andréa Brito, esclarece que, apesar da paternidade socioafetiva implicar em iguais direitos e obrigações gerados por um vínculo biológico, não se caracteriza como adoção. “A diferença primordial entre a adoção e o reconhecimento da filiação socioafetiva reside no fato de que, na adoção, haverá a exclusão da ancestralidade registral, ao passo que na socioafetividade não haverá tal exclusão, ocorrendo apenas a inclusão do requerente”, explica.
Para a chefe do Centro de Apoio Psicossocial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (CAP/TJPE), Nathália Della Santa, o papel do pai vem passando por transformações ao longo dos últimos anos, onde o perfil do pai responsável apenas financeiramente e, em muitos casos, por uma disciplina rígida e de pouca expressão no sentido afetivo já não atende aos moldes atuais. “Nos últimos tempos, os estudos referentes ao exercício da parentalidade demonstram que o modelo mais funcional e que promove o desenvolvimento mais saudável nas crianças é um estilo parental que chamamos de autoritativo, que apresenta limites e afetos na medida certa, e participação ativa na vida dos filhos. Então ainda que as crianças e adolescentes não tenham um pai registral, ter alguém que exerça essas funções será de grande importância para o desenvolvimento saudável desses indivíduos. Já há algum tempo, em muitos casos, a socioafetividade vêm se sobrepondo à questão biológica e deixando marcas profundas no crescimento e desenvolvimento subjetivo das crianças”, explica. Ela defende que não se trata de uma questão de substituição, mas ter alguém que assuma essas funções contribui muito com o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes.
A psicóloga esclarece que, no caso de haver dois vínculos paternos registrados em certidão, a convivência saudável entre pais afetivos e biológicos é o que realmente faz a diferença no desenvolvimento saudável da criança ou adolescente. “Não há nenhum indício científico que demonstre prejuízo às crianças que possuem mais de uma ‘figura paterna’. No entanto, cabe ressaltar que a forma como a situação é conduzida pode influenciar muito a experiência subjetiva da criança, tanto positivamente quanto negativamente. Se a situação for conduzida de maneira transparente e com cuidado, com cada um dos pais compreendendo e respeitando o lugar do outro, pode ser uma experiência muito interessante para os filhos. Afeto e cuidado, quando expressos de maneira funcional, são sempre construtivos e considerados aspectos de proteção à saúde mental”, afirma Nathália.
O Provimento do CNJ também prevê a inclusão de uma mãe afetiva na certidão de nascimento, aplicando-se as mesmas regras para o reconhecimento paterno. Nos casos em que não seja possível obter a autorização do ascendente biológico, apresentar documentação suficiente ou algum outro tipo de impedimento, o caso será levado para a análise de um juiz.
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