As relações em um mundo on-line

Por

Valéria Saraiva*

Em 25.08.2020

Hoje pela manhã fui comprar um adaptador de cartão de memória SD com a finalidade de gravar nele algumas músicas que estão no meu notebook e colocar no meu aparelho celular. Gosto de ouvir músicas enquanto trabalho, leio ou faço qualquer outra atividade. Tive problemas com a trava de segurança do adaptador SD e na mesma hora me lembrei das fitas k7s.

Quando a gente comprava uma fita K7 de algum cantor, ela sempre vinha com uma trava. Na verdade, era uma coisa muito simples, um pedaço do plástico da fita que vinha quebrado pra não permitir que por acidente alguém gravasse outra coisa por cima da gravação original.

Quando eu não gostava da fita ou já estava enjoada dela, eu colocava um tipo de calço com auxílio de uma fita durex no espaço da trava egravava outras músicas por cima. Quando a fita era virgem, depois de gravar o que eu queria eu quebrava a trava pra ninguém apagar por acidente. Perdi algumas gravações por não tomar esse cuidado.

Gostava muito de ouvir música nas rádios e às vezes deixava a fita no ponto pra conseguir gravar aquela música que eu queria. Meu pai tinha uma radiola, com toca discos. Às vezes, quando eu gostava muito do LP (disco de vinil com várias músicas),eu o gravava na fita K7 para ficar escutando num toca fitas velho que eu tinha no quarto. Eu tinha uma paciência enorme para ouvir o LP tocar todo sem fazer qualquer tipo de ruído e rezando pra a agulha da radiola não tremer ou pular justamente na melhor música do disco.

Logo que os CDs se popularizaram o toca fitas ainda existia. E o processo de gravação na fita K7 era parecido. Não tinha o chiado do LP, o som das músicas era mais limpo e de boa qualidade. Mas tanto um quanto o outro tinha um problema parecido.; se você não soubesse conservar corretamente eles arranhavam e ficava quase impossível ajeitar. Às vezes um simples arranhão na melhor música acabava com a graça de escutar o CD.

As fitas K7 também tinham alguns problemas. Muitas vezes ficavam presas nos toca fitas e se você não tirasse de lá com muito cuidado, a fita poderia se partir. Eu acabei aprendendo a consertar essas fitas para não as perder. E quando o aparelho empacava e não queria rebobinar eu recorria à velha caneta bic e rebobinava a fita manualmente.

Às vezes quando me lembro daquela época, parece-me que foi ontem, mas para a nova geração é algo talvez desconhecido. Quando foi que deixamos de ter paciência, quando perdemos nossa simplicidade?

Hoje em dia temos tecnologia avançada, temos aparelhos de celular tipo smartfones que substituíram o despertador, o relógio, o calendário, a agenda, o aparelho de som,e ate o reprodutor de vídeo. Sem contar que com o acesso rápido à internet ninguém manuseia mais um dicionário, ou um mapa, ou faz uma pesquisa em uma biblioteca.

No entanto, quando nos conectamos às redes sociais acabamos nos expondo para pessoas que às vezes são só conhecidas.

O telefone está com você o tempo todo. Como se fosse parte da sua roupa, do seu corpo. Você recebe uma ligação ou uma mensagem de um aplicativo e a outra pessoa não faz a menor ideia do que você está fazendo. E às vezes fica até irritada pela demora em responder. Não entende que o fato de você ter um aparelho celular e ter instalado nele redes sociais não significa que você está disponível 24 horas por dia pra qualquer pessoa. Como se em casa você estivesse de sobreaviso à disposição de ser chamado a qualquer momento para trabalhar.

Se você permitir, o celular e as redes sociais acabam absorvendo todo o seu tempo. E quando você menos esperar, esse tempo que você jogou fora estando conectado o tempo todo simplesmente passou. Você construiu amizades virtuais frágeis, que talvez nem existam de verdade. Você deixou de lado seus sonhos e suas metas. Você não assistiu aquele filme como sua sobrinha de cinco aninhos. Você passou nessa vida como um zumbi, em olhar para os lados e sem perceber que a rede social que mais importa é a física e não a virtual.

Vamos viver mais e teclar menos.

*Valéria Saraiva é enfermeira, poetisa, cronista, autora do livro Lírios, tulipas e escorpiões e membro da Academia Cabense de Letras.

Foto destaque: tecmundo.com.br