A polêmica gravidez interrompida
Carlos Sinésio*
Em 25.08.2020
Um dos assuntos de maior repercussão, no Brasil, na semana passada foi o caso da criança capixaba de apenas dez anos, vítima de estupros, que precisou, com autorização judicial, fazer um aborto no Recife. As principais revistas e jornais do País abordaram o tema na capa, as TVs e rádios deram destaque ao assunto, o que dá mais importância ainda ao fato.
Como se sabe, o caso gerou muita polêmica e certamente vai gerar também processos contra pessoas que realizaram protestos contrários ao aborto, chegando ao absurdo de chamar a menina criança de criminosa. Houve repercussão da mídia internacional. Tudo triste. Muito triste.
A garotinha era violentada sob ameaças desde os seis aos por um tio ex-presidiário (já preso), sem que outros familiares aparentemente soubessem e tomassem qualquer atitude. Uma lástima. Como as autoridades médicas do Espírito Santo alegaram não ter condições de realizar o procedimento abortivo lá, a menina foi encaminhada para o Cisam do Recife, unidade de referência para esses casos.
Pois bem: Igrejas, líderes religiosos, deputados e vereadores do Recife se posicionaram contra o aborto, mesmo a gravidez colocando em risco a vida da criança que gerava outra criança, como explicaram os médicos, que cumpriam uma decisão judicial. Protestaram e fizeram baderna na frente do Cisam, o que é inaceitável. Se queriam reverter a situação que recorressem à Justiça.
Caso a menina manifestasse o desejo de querer ser mãe, a gravidez poderia ser levada adiante, mesmo com todos os riscos. Mas ela não queria. Talvez nem tenha consciência direito da situação. Mas não queria ser mãe, e esse era um direito dela. Enfim, o aborto legal foi feito, e a menina recebeu alta médica dois dias depois, indo para lugar seguro em sigilo. Precisa mesmo ser mais protegida para tentar recomeçar a vida de forma mais humana e digna.
O mais importante é que o fato fez o tema aborto voltar a ser discutido no Brasil. Grupos conservadores e religiosos condenam esse procedimento em qualquer circunstância, enquanto feministas e pessoas de perfil mais liberal acham que essa é uma decisão que cabe à mulher grávida. Polêmicas à parte, o assunto precisa ser mais discutido pela sociedade para que se encontre um entendimento razoável. Quem é contra deve tentar mudar a legislação.
Soube-se mais uma vez que muitas, muitas meninas de menos de 12 anos engravidam no Brasil após serem estupradas, não raro por monstros membros da própria família, o que é ainda mais apavorante e repugnante. Assim, grande parte dessas vítimas acaba fazendo aborto de forma legal, com autorização da Justiça, pois a legislação lhe garante esse direito.
Quem é contrário ao aborto legal tem todo o direito de ter essa posição e se manifestar contrário, dando sua opinião, contestando a legislação e fazendo seus protestos. Mas tem também obrigação de não fazer badernas na porta de hospitais ou nas ruas, de respeitar o contraditório, quem pensa diferente e, sobretudo, respeitar a legislação e as decisões judiciais, até porque podem recorrer delas quando achar necessário.
O triste caso da garotinha de dez anos pelo menos serviu para acordar o País pra voltar a debater com a maior seriedade e serenidade um tema que sempre será polêmico e vai gerar calorosos debates. Esperamos que esse debate seja realizado sem hipocrisia e no final as mulheres tenham reconhecido e respeitado o direito de decidir pelo que acharem melhor para elas em casos extremos. Como gravidez resultante do horrendo crime de estupro.
*Carlos Sinésio é jornalista, tem 55 anos de idade e 35 de profissão. Escreve às terças-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Excelente texto. Compartilho da sua opinião. O protesto e tudo que foi feito para constranger essa menina foi um verdadeiro absurdo. Esse tema precisa e deve ser mais debatido. Nossa sociedade tem que acordar pra a realidade da violência contra as crianças e adolescentes. Sem falar nos outros grupos. Parabéns pelo texto 😉👍