Natureza, Ciência e Religião (Parte II)

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 27.08.2020

Vimos de forma introdutória na primeira parte deste artigo, na semana passada, os três principais pilares que estruturaram a visão que temos da Natureza e, por conseguinte, condicionam nossas ações conscientes ou não. Soma-se a estes pilares, o advento do sistema capitalista de produção.

O sistema capitalista apropriou-se da visão dualista construída no Ocidente sobre a Natureza. Visto que esta Natureza não é mais habitada por deuses e ainda, sendo o Homem (ser humano) senhor sobre todas as coisas, pode, com o auxílio da técnica e da ciência, explorá-la infinitamente para produzir riquezas. É o advento do Homo Economicus! Nas palavras de Marx (1989) “atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza”. Este casamento mostra-se ainda mais perverso quando se sabe que a exploração da natureza pelo homem é seguida também, da exploração do homem pelo homem. E as riquezas oriundas desta exploração, estão disponíveis apenas para uma minoria da população mundial.

A concepção do Homem imagem de Deus, civilizado de um lado e da Natureza selvagem, fonte de riquezas de outro, de acordo com o Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si (2014) é uma distorção dos ensinamentos bíblicos: “A harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a criação foi destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas. Este fato distorceu também a natureza do mandato de «dominar» a terra (Gn 1, 28) e de a «cultivar e guardar» ( Gn 2, 15). Como resultado, a relação originariamente harmoniosa entre o ser humano e a natureza transformou-se num conflito (Gn 3, 17-19)… hoje, devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas”.

No dia 22 de Agosto de 2020 “comemorou-se” o Earth Overshoot Day ou Dia da Sobrecarga da Terra, dia no qual a demanda humana por recursos naturais ultrapassou a capacidade de regeneração da Terra.  As estimativas mostram que, mantido o padrão de consumo dos países ricos, a humanidade precisaria de 1,6 planetas iguais a Terra para supri-lo atualmente. A World Ecological Footprint – Pegada Ecológica Mundial (estimativa em hectares de quanto seria necessário para cada habitante suprir suas necessidades) mostra o tamanho do impacto que causamos ao Planeta e a nós mesmos em virtude da exploração irresponsável e gananciosa dos recursos.

Colocamo-nos fora da Natureza. A desprezamos como algo inferior e ainda assim, precisamos dela para sobreviver, para contemplar… Todavia, não há impacto que se perca no tempo e espaço. Contraditoriamente, é a própria Ciência, através da Termodinâmica, da Teoria dos Sistemas/Geossistemas, do Pensamento Complexo etc, que vem mostrando a interconexão de tudo com o todo. Quem tem ouvido para ouvir, ouça!

*Enildo Luiz Gouveia é professor, doutor em Geografia e especialista em Filosofia. É membro da Academia Cabense de Letras.

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Foto destaque: go.hurb.com