Maratona Digital do UNICEF – Estudantes propõem soluções de impacto social
Andréa Pessoa*
Em 10.10.2020
Uma jornada de ideação de soluções para descobrir como as tecnologias podem gerar impacto social. Esta foi a proposta da Maratona Digital, idealizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), uma iniciativa que contou com a realização do Porto Digital e da Ong Asserte, juntamente com o apoio da Bayer. Contou com 200 adolescentes inscritos, todos estudantes de escolas públicas.
Tive a oportunidade de participar como mentora de projeto de um dos 20 times. O crescimento da turma, no decorrer dos 10 dias do evento, me trouxe uma esperança no futuro desses jovens, algo indescritível. É bem interessante presenciar o debate sobre as políticas públicas de educação, de saúde e de direitos humanos pelo próprio público que é beneficiado, ou seja, pelos próprios estudantes.
Eles tiveram direito a lugar de fala na maratona, total liberdade de expressão. Foi exatamente como relatou, na abertura do evento, Luiza Batista de Sá Leitão, oficial do Programa de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes e Jovens do Unicef Brasil. “Estamos fazendo a maratona com os adolescentes e não para os adolescentes. Isso faz toda a diferença. Eles são os protagonistas da maratona digital”.
O evento aconteceu em meados de setembro, com estudantes de escolas públicas de 18 estados do país, indo do Amazonas, Pará, Piauí, Maranhão, entre outros, e nos mais diversos municípios entre os 5.569 espalhados pelo país.
O objetivo foi desenvolver soluções tecnológicas inovadoras de impacto positivo, durante esse momento da pandemia da Covid-19, com foco no engajamento, saúde mental, bem estar e aprendizagem de adolescentes mais excluídos buscando qualidade, modernização, sustentabilidade e resiliência por meio da tecnologia.
A repercussão entre os participantes foi muito positiva. No time “+JovensON” que mentorei, Leilane Crisóstomo Ferreira, de Monte Alegre, Rio Grande do Norte, contou que a experiência com a maratona foi estupenda. “Com os aprendizados que tive, consegui desenvolver habilidades e competências para ser um agente de transformação no meu país, impactar a vida de muitas crianças e adolescentes”.
Maria Fernanda Serra, estudante do município de São João Batista, Maranhão, disse que ficou feliz com o desafio. “Descobri, com a maratona, que a criatividade não tem fim”. Sandy Viana, de Cocal da Estação, Piauí, amou a atividade e relatou que “a criatividade aumenta com o trabalho em grupo”. Gabriel Castanha, de Francinópolis, no Piauí, explicou que “o mundo precisa de mudanças e elas precisam vir dos jovens”. Já Gabriel Ywri, de Guaiúba, Ceará, disse que a maratona “mostrou aquilo que muitas vezes nós não enxergamos sobre a realidade da infância das crianças do Brasil”.
Tecnologia – Tudo foi realizado on-line por meio dos aplicativos Discord e do Google Meet. Para quem não conhece, o Discord é programa que tem chat de voz e texto, mas há mais funções que não são tão comuns em outros mensageiros, como chat de voz em grupo, chamada de vídeo e um bot para facilitar a vida dos usuários. As reuniões gerais ocorreram pelo Google Meet, já que o aplicativo on-line pode ser feito com mais de 200 pessoas, favorecendo as lives de conteúdo.
Os estudantes receberam três desafios:
1_ Como assegurar que adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social possam manter seu vínculo com a escola e com suas atividades de aprendizagem durante a pandemia?
2_Como assegurar que adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social possam contar com acompanhamento e apoio psicológico durante a pandemia?
3_Como engajar adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social em atividades para o desenvolvimento de suas competências para a vida (educação entre pares, participação cidadã e mobilização social)?
No entanto, as soluções teriam que, preferencialmente, atender a cinco Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) listados pelo projeto: 1 – erradicação da pobreza; 3 – saúde e bem-estar; 4 – educação de qualidade; 5 – igualdade de gênero; e 10 – redução das desigualdades.
O time “+JovensON” desenvolveu o desafio 1, que versava sobre educação na pandemia, uma verdadeiro desafio já que os estudantes da rede pública de ensino no Brasil estão sem condições para estudar à distância, durante o isolamento social na pandemia. Grande parte dos estudantes não tem celular, notebook ou computador para fazer as tarefas.
Além disso, os professores enviam tarefas para criar a conexão possível na pandemia, mas não há aulas on-line ou gravadas. No entanto, essa responsabilidade não é dos docentes. Os governos teriam que capacitá-los e criar uma ambiência digital entre a escola e a residência dos estudantes. Faltam também dados para navegar na internet e não há uma plataforma inovadora para que as aulas sejam legais. Com tudo isso, muitos estudantes estão entrando no trabalho infantil e a evasão escolar, naturalmente, vai aumentar. As estatísticas futuras irão apontar tudo isso.
O time “+JovensON” apresentou duas soluções:
1 _Fornecer notebooks ou tablets para todos os estudantes da área pública do Brasil do ensino fundamental, que são 21.413.391, e do ensino médio, 6.192.819. Esses números são de 2019, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) neste link https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2019-12-30/numero-de-matriculados-em-escolas-publicas-nos-ensinos-fundamental-e-medio-cai.html.amp .
2_Criar uma Plataforma Virtual de Ensino-aprendizagem que seja Inovadora, Democrática e Inclusiva (IDI).
Pobreza e exclusão digital no cenário brasileiro -Mais de 18 milhões de crianças e adolescentes (34,3% do total) vivem em domicílios com renda per capita insuficiente para adquirir uma cesta básica. Este é o cenário brasileiro, divulgado pelo Unicef. A instituição faz um alerta: 61% das meninas e dos meninos brasileiros vivem na pobreza – sendo monetariamente pobres e/ou estando privados de um ou mais direitos. Ou seja, 6 em cada 10 crianças no Brasil vivem na pobreza. Conheça mais neste link https://www.unicef.org/brazil/media/156/file/Pobreza_na_Infancia_e_na_Adolescencia.pdf
A exclusão digital no Brasil é algo que prejudica diretamente os estudantes de escolas públicas, já que moram nas periferias urbanas e rurais e a grande maioria não tem acesso à internet. Dados da pesquisa TIC Domicílios 2019 do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) constatam que 47 milhões de pessoas no Brasil estão desconectadas da internet.
Por todas essas estatísticas citadas é fácil concluir que as desigualdades sociais no Brasil estão aumentando exponencialmente com a pandemia da Covid-19.
Mundialmente, pelo menos um terço das crianças em idade escolar – 463 milhões de crianças em todo o mundo – foi incapaz de acessar o ensino remoto quando a Covid-19 fechou suas escolas, de acordo com um novo relatório do UNICEF divulgado em agosto deste ano, enquanto países, em todo o mundo, discutem seus planos para o retorno às salas de aulas.
Dessa experiência de mentorar a maratona digital, só posso dizer uma coisa: essa garotada vai mudar o Brasil. Para melhor. Os estudantes têm uma consciência social de fazer inveja a qualquer gestor público no Brasil.
*Andréa Pessoa é jornalista, palestrante, facilitadora de Cursos de Comunicação e Marketing Digital, Gestão da Imagem Corporativa, além de consultora de Gestão de Crise de Imagem da Mandala Consultoria de Comunicação . www.mandalaconsultoria.com I @mandalaconsultoria