Os dilemas de Suape III: impactos e heranças

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 15.10.2020

A respeito dos impactos e das heranças do Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS) nos municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, verifica-se que, do ponto de vista econômico, a instalação do CIPS proporcionou uma fonte de arrecadação municipal representativa. A diversificação industrial e de serviços não ficou restrita apenas ao complexo, mas, ultrapassou até mesmo as fronteiras destes municípios. Não por acaso o Território Estratégico de Suape engloba também os municípios de Escada, Rio Formoso, Sirinhaém entre outros dentro e fora da Região Metropolitana do Recife (RMR).

A explosão demográfica que acompanhou este desenvolvimento econômico deu-se em grande parte devido ao fluxo de mão de obra migrante que foi intenso até por volta de 2014. Os efeitos da crise financeira mundial, aliada às intempéries políticas do país, cujo ápice foi o golpe na então presidenta Dilma, em 2016, provocaram uma desaceleração nas atividades do CIPS. Todavia, antes mesmo disso, o Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca já sofriam com o ônus do desenvolvimento.

Nos idos dos anos 70 do século passado, quando o CIPS começou a sair do papel, alguns cientistas e intelectuais pernambucanos, dentre eles o economista Clóvis Cavalcanti, alertavam para os conflitos e impactos que surgiriam com a instalação do CIPS. O governo buscou “responder” parte das críticas estabelecendo o Plano Ecológico-Cultural do CIPS (PECCIPS), coordenado pelo arquiteto Armando de Holanda Cavalcanti.

Sobre o alerta dado pelos cientistas e pesquisadores da época elencamos cinco deles que estão presentes na atualidade: A) Problemas Fundiários oriundos da desapropriação (ilegal e violenta) dos moradores do entorno; B) Aumento Populacional sem o planejamento urbano adequado, gerando violência, tráfico de drogas, déficit habitacional, falta de saneamento, etc; C) Alterações na fauna e na flora do ecossistema estuarino formado pela foz dos rios Massangana, Tatuoca, Merepe e Ipojuca, com crescente redução dos manguezais; D) Problemas de ordem psicológica nas populações que tiveram seu modo de vida alterado drasticamente (ver, por exemplo, a dissertação de Mestrado em saúde pública da autora Katlyn Kelly Duclerc Marques, 2014); E) Aumento na demanda por água para as indústrias e abastecimento público, que faz com que os municípios, mesmo gozando de boa disponibilidade natural deste recurso, tenham comunidades sem abastecimento ou sendo abastecidas de forma irregular.

Os problemas enfrentados atualmente pelo CIPS e pelos municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca são de ordem socioambiental, visto que afetam a realidade natural e social. Temos comunidades que foram obrigadas a abandonar seu modo de vida secular para dar lugar às grandes obras do CIPS. É do conhecimento de qualquer pescador, pesquisador ou morador da área que houve redução qualitativa e quantitativa dos pescados, aumento da “favelização” e dos casos de suicídio de moradores.

Tais problemas são fruto de uma lógica desenvolvimentista que coloca a economia acima das pessoas. E, do período militar para cá, vê-se que a economia gerada pelo CIPS não foi revertida na mesma proporção para o benefício das populações residentes.

*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e Membro da Academia Cabense de Letras – ACL.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Fotos:

Fotos Rafael Negrão – Família que teve sua posse invadida por uma termoelétrica há 8 anos em Massangana. Área desmatada por SUAPE em Jurissaca.