Os ‘mistérios’ de José Condé

Por

Jénerson Alves*

Em 23.10.2020

Não raramente, há certos ‘mistérios’ envolvendo a vida e a obra de grandes escritores. Pouco se sabe sobre a vida de Homero, há dúvidas sobre Shakespeare, informações desencontradas acerca de Fernando Pessoa. Um dos maiores autores brasileiros, nascido em Caruaru-PE, também tem um pouco disso. Refiro-me a José Condé. Em vários textos biográficos e até em um documentário, afirma-se que ele nasceu no dia 23 de outubro de 1918. Entretanto, uma pesquisa do escritor Claribalte Passos, realizada em 1971, comprovou a data exata do nascimento de Condé: 22 de outubro de 1917, através da reprodução do registro civil e de batismo do caruaruense. (Será?)

Outro ‘mistério’ que pode ser apontado acerca de José Condé refere-se ao seu estilo literário. A sua produção, por ser iniciada na década de 1940, pode ser enquadrada, cronologicamente, na terceira fase do Modernismo. Entretanto, há pesquisadores que consideram José Condé “inclassificável”. Um deles é o professor Edson Tavares, que escreveu sua tese de doutorado sobre o autor, o qual atesta a impossibilidade de colocar algum “rótulo” em um escritor ‘sui generis’ como José Condé.

Mais do que abordar questões do lugar que, no começo, tratava-se de um “simples rancho para pernoite das boiadas vindas do sertão bruto”, o livro refere-se à condição humana.

A versatilidade com as letras é, ainda, outra marca ‘misteriosa’ deste autor. A obra ‘Terra de Caruaru’, com um caráter notadamente regionalista – a começar pelo título – possui tamanha profundidade literária, a ponto de tornar-se universal. Mais do que abordar questões do lugar que, no começo, tratava-se de um “simples rancho para pernoite das boiadas vindas do sertão bruto”, o livro refere-se à condição humana. No prefácio da primeira edição da obra, publicada em 1960, Otto Maria Carpeaux disse que ‘Terra de Caruaru’ é “um romance brasileiro”. Ele estava certo, mas a realidade era ainda mais abrangente. Um ano depois, viu-se que era um romance do mundo inteiro – o livro foi publicado em Portugal. Algo semelhante parece ter ocorrido com ‘Pensão Riso da Noite – Rua das Mágoas’, que também foi publicado na Alemanha, com o título ‘Pension Nachtgelächter’.

Em 1959, foi publicado ‘Um Ramo para Luísa’. No prefácio, Jorge Amado afirmou que aquele era um momento decisivo da carreira de Condé, e que o livro era uma “novela para grande público e não para um grupelho de subliteratos esteticistas posando de gênios”. Até parece que, de certa forma, o baiano fez uma profecia. Em 1966, ‘Um Ramo para Luísa’ foi adaptado para o cinema por J. B. Tanko, tendo os atores Paulo Porto e Sônia Dutra como intérpretes das personagens principais.

Pensando na relevância e na proeminência deste escritor, surgem aqueles que eu considero os maiores ‘mistérios’ a respeito de José Condé: por que suas obras não são re-editadas, para serem conhecidas pelas novas gerações? Por que a Casa de Cultura de Caruaru, que leva o seu nome, não é cuidada como deveria, para se converter efetivamente em um ambiente de aprendizado e, também, de perpetuação desta obra tão vasta? Meras dúvidas que pairam no ar, como um gélido vento no amanhecer de uma cidade morta.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.