Professores, uni-vos! (ll)
Mirtes Cordeiro*
Em 26.10.2020
Querem acabar com o piso salarial…
Prosseguindo com os ataques à educação, o governo Bolsonaro agora quer acabar com o piso salarial dos professores do ensino básico que atualmente mantém 45 milhões de alunos nas escolas públicas.
O professor atualmente recebe o valor de R$ 2.886,24 ao entrar na carreira, por 40 horas/aula trabalhadas durante a semana, após 16 anos de estudos e tendo que prestar concurso público. Para este ano de 2020 o piso salarial dos profissionais da rede pública da educação básica em início de carreira foi reajustado em 12,84% para 2020, passando de R$ 2.557,74 para R$ 2.886,24. (MEC)
O acréscimo está previsto na chamada Lei do Piso (Lei 11.738), de 2008. O texto estabeleceu que o piso salarial dos professores do magistério é atualizado, anualmente, no mês de janeiro. A regra está em vigor desde 2009, ano em que o valor de R$ 950,00 foi o ponto de partida para o reajuste anual.
O Ministério da Educação (MEC) utiliza o crescimento do valor anual mínimo por aluno como base para o reajuste do piso dos professores, sendo utilizada a variação observada nos dois exercícios imediatamente anteriores à data em que a atualização deve ocorrer.
O valor mínimo por aluno é estipulado com base em estimativas anuais das receitas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Para 2019, o valor chegou a R$ 3.440,29, contra R$ 3.048,73 em 2018.
Poderemos fazer várias análises sobre o efeito da lei na vida dos beneficiários, bem como estabelecer relação com salários de outras categorias. Por exemplo: o piso salarial dos professores atualmente é menor que o auxílio moradia dos magistrados que recebem os maiores salários da república, valores que chegam a R$ 36.000,00, fora todos os auxílios que os magistrados necessitam para realizar as suas funções.
Só essa comparação já anuncia para a sociedade as condições de precariedade que circunda o trabalho e a vida dos professores, que se veem obrigados a uma jornada de trabalho extenuante, assumindo contratos nas redes estaduais, municipais e particulares para ganhar o suficiente para manter as condições mínimas necessárias à sobrevivência da família.
Em pleno século XXl a situação do país é muito diferente, em relação ao momento em que a educação pública se organizou. No entanto, muitas mudanças aconteceram, mas a educação não mereceu prioridade entre as políticas públicas. É verdade que avanços foram registrados – mais de 90% das crianças tiveram acesso à escola pública e gratuita, mas não aconteceu a valorização que requer o processo educacional sobretudo dos professores que desenvolvem a principal função que é a transmissão do conhecimento.
Vários estudiosos têm se esforçado, através de suas pesquisas, para evidenciar a necessidade da valorização do professor, diante de sua condição de vida na atualidade. “E os professores nesse contexto atual também são diferentes do clássico professor do passado: a maioria deles, principalmente os da rede pública, além de trabalhar com alunos de camadas populares, também pertence às camadas populares, vivem em bairros populares, seus familiares pertencem à classe trabalhadora, seu salário é igual ou até menor do que outros profissionais que possuem o mesmo nível de escolarização. Ou seja, os professores hoje não compõem a elite socioeconômica do país”. (HYPÓLITO, 1999)
O piso salarial foi uma grande conquista. Mesmo assim, essa conquista já vem sofrendo ameaças com inflação e a forma como a categoria, constantemente ameaçada, figura entre outras carreiras.
A grande questão é que a sociedade brasileira não enxerga que a Educação é fundamental para o desenvolvimento do ser humano, para a transformação de riquezas, para a preservação do meio ambiente em que vivemos, para o desenvolvimento dos valores que requerem uma sociedade democrática e justa. Portanto, é fundamental para o país.
Uma proposta do governo federal, anunciada pela imprensa em 19/10, quer alterar a Lei do Piso na Regulamentação do FUNDEB, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, que também sofreu ameaça de ser eliminado pelo governo, o que não foi possível em decorrência da pressão popular.
A medida anunciada vincula o reajuste do piso salarial dos professores da educação básica à inflação, o que elimina o ganho real garantido pela lei atual, aprovada em 2008, que vincula reajuste anual à variação do valor por aluno do Fundeb, o que se reflete em ganhos acima da inflação. O governo quer que a atualização seja só pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)
O último aumento do piso salarial dos professores foi de 12,84%, em janeiro/2020, quando o valor chegou a R$ 2.886,24. Se a regra proposta já estivesse em vigor, o reajuste de 2019 teria sido apenas de 4,6%.
Em nota, o Ministério da Economia afirmou que o governo “considerou prudente” a proposta em razão da sustentabilidade fiscal e que recebe constantes pedidos de alterações na Lei do Piso. A pasta disse ainda que haverá impacto para todas as redes, “quer elas recebam os recursos ou não”.
Ou seja, não poderíamos esperar que esse governo pudesse promover a valorização da Educação e dos professores, nem mesmo a solidariedade com a comunidade escolar que ora passa por sérios problemas que vão muito além da sustentabilidade fiscal. Mas é necessário que a sociedade se organize para exigir que as conquistas alcançadas não sejam destruídas de forma oportunista, aproveitando a triste situação de pandemia que o mundo atravessa.
Professores estão neste momento oferecendo mais do que o seu conhecimento, mais do que sua força de trabalho. Estão oferecendo, além disso, a sua casa transformada em sala de aula, os seus pertences, a sua vida para apoiar os alunos e suas famílias, suprindo necessidades que o poder público negligenciou ao longo dos anos.
Segundo Gizela do Carmo Lourencetti, em sua pesquisa sobre “A baixa remuneração dos professores: algumas repercussões no cotidiano da sala de aula”, no atual contexto o professor continua a desempenhar o trabalho de preparar as aulas, ensinar, elaborar provas e corrigi-las. Mas o professor de hoje trabalha mais que no passado e, portanto, tem uma jornada de trabalho maior.
Além disso, “a preparação das aulas de hoje envolve, além do levantamento do conteúdo e da escolha de alguma dinâmica para a interação em sala, a pesquisa na internet e a atenção aos fatos e notícias publicados nos jornais e revistas,que possam ser utilizados para a contextualização em sala ou trabalhado como um novo conteúdo. As aulas em si estão mais complexas pela diversidade maior dos alunos, resultados das políticas de inclusão social e de expansão do ensino”. (BOING, 2008, p. 107-108).
Tudo isso foi analisado antes da pandemia. De lá até agora, as escolas, via de regra, não melhoraram sua estrutura e os professores não foram formados para trabalhar considerando a modernidade e as necessidades do mundo tecnológico. Com a pandemia valeu o improviso e a criatividade dos que, de fato, fazem acontecer a educação nas escolas.
Já não é possível que se pense o desenvolvimento do país apenas com foco na sustentabilidade fiscal, sem que se compreenda que se faz necessário o desenvolvimento de políticas sociais básicas que além de prover o crescimento econômico também sirvam de proteção a vida da população.
De acordo com pesquisa feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 46 países, a média salarial brasileira é 13% inferior à média da América Latina. Em comparação aos países ricos a diferença é maior ainda. O professor brasileiro do ensino médio recebe por ano o equivalente a U$S 25.966, quase metade da média praticada nos 38 países ricos e integrantes da OCDE, que é de U$S 49.778.
Ao propor a redução dos ganhos salariais dos professores através do piso nacional, o governo do Presidente Bolsonaro na prática quer acabar com o piso, porque o mesmo perderá a capacidade de regular as diferenças salariais básicas existentes no sistema público de ensino.
A lei do piso foi apenas um paço inicial para se estruturar a carreira do professor no Brasil, lembrando que segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), “o piso e as diretrizes de carreira dos profissionais da educação básica pública são garantias constitucionais, porém, pendentes de regulamentação”. (Doc CNTE/2014)
E a CNTE luta para colocar em prática essas importantes políticos de valorização profissional.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: educador.brasilescola.uol.com.br