O futuro que queremos é sem racismo e com crescimento inclusivo e sustentável

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Agência ONU Brasil

Em 27.10.2020

Um crescimento inclusivo e sustentável, com proteção do meio ambiente, e uma sociedade sem racismo, com igualdade entre os gêneros e maior participação da juventude nos processos decisórios.

Estes são os ingredientes essenciais para a construção de um mundo mais justo e igualitário pós-COVID-19, na opinião de representantes da sociedade civil, da ONU e do setor privado, que participaram na segunda-feira (26) da live “O futuro que queremos, sem deixar ninguém para trás” para comemorar o aniversário de 75 anos das Nações Unidas.

Os efeitos da pandemia sobre a população brasileira mais vulnerável, moradora de favelas e majoritariamente negra, foi o tema da fala de Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (CUFA), ONG existente há mais de 20 anos e com atuação internacional.

Celso Athayde, da CUFA, participou da live em comemoração aos 75 anos da ONU Foto | Douglás Jacó

A CUFA promove atividades nas áreas da educação, lazer, esportes, cultura e cidadania, além de projetos sociais. Na pandemia, distribuiu mais de 20 mil toneladas de alimentos em favelas, assim como equipamentos de internet para que moradores continuassem trabalhando e estudando.

“Quando a gente olha para as favelas, metade dos moradores é (trabalhador) autônomo e informal que perdeu renda na pandemia”, disse Athayde, salientando que as mulheres negras são as mais prejudicadas pela crise sanitária e socioeconômica.

Para ele, a emergência evidenciou as desigualdades sociais já existentes no Brasil, enquanto um futuro desejável é aquele em que haja distribuição de renda e de oportunidades para todos, com ações afirmativas para reparar os danos do racismo e do colonialismo.

“Nosso país é fundado em um modelo escravocrata. (…) A gente vive em uma sociedade dividida entre filhos de senhores e de escravos”, lembrou. “Nessa pandemia, nessa crise humanitária, (…) a comunidade não tinha escolha entre fazer isolamento social ou ir para a rua. A favela não tinha como fazer isolamento social, porque se a favela parar, o país para.”

A atuação do setor privado no combate ao racismo e na criação de oportunidades para pessoas negras foi abordada por Carlo Pereira, secretário-executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, iniciativa que visa alinhar as estratégias das empresas aos direitos humanos e ao desenvolvimento sustentável.

“Apesar de 56% da população (brasileira) ser negra, nas empresas, quando vai subindo, afunilando (para os cargos de gerência), são apenas 0,4% de mulheres negras nos cargos de liderança. (…) A população já não está admitindo mais isso”, disse Pereira.

“O mercado entendeu que se não é por benesse, é por questão de negócio, e começou a se mexer mais fortemente agora”, afirmou, ressalvando que o ritmo da inclusão ainda é lento. “Temos que acelerar por meio das ações afirmativas. A gente tem que ter programa de trainee voltado para a população negra.”

“Temos grandes problemas estruturais. Se não lançarmos mão dessas ações e revisarmos estratégias e processos de contratação, com a clareza de que eles hoje criam barreiras de gênero e raça, não vamos mudar o cenário”, enfatizou.

A Rede Brasil do Pacto Global lançou o movimento “Equidade é Prioridade”, cujo objetivo é estabelecer metas claras para aumentar a quantidade de mulheres em cargos de alta liderança até 2030. A expectativa é lançar no ano que vem uma nova iniciativa com recorte étnico-racial, segundo Pereira.

Participação da juventude e mudanças climáticas

Paloma Costa é uma das jovens que aconselhará o secretário-geral da ONU sobre mudanças climáticas Foto | Paloma Costa

A participação da juventude nos processos decisórios — não apenas com poder consultivo, mas deliberativo — foi o tema da fala de Paloma Costa, coordenadora do Grupo de Trabalho de Clima da ONG Engajamundo e membro do Grupo Consultivo da Juventude sobre Mudança Climática, que aconselhará o secretário-geral da ONU, António Guterres.

“Vimos o levante da juventude no ano passado para chamar a atenção para a luta pela nossa casa comum (o planeta), pela nossa vida. Isso é parte de um entendimento (sobre a necessidade) de uma ecologia social integrativa, regenerativa”, disse.

“Não podemos nos acomodar com os acordos feitos, a maior parte não está sendo cumprida. Temos que estar atentos a isso porque é nossa casa comum e ela está pegando fogo, literalmente”, enfatizou a jovem. E alertou: “A juventude é o único grupo social levando realmente a sério os impactos da mudança climática”.

Paloma lembrou ainda que esse grupo é frequentemente excluído dos processos decisórios. “Ainda temos que lutar pelo direito de participar, que está nos acordos internacionais. Nós temos que ser reconhecidos como parte desses processos”, disse, defendendo, por exemplo, a criação de Conselhos da Juventude nas Assembleias Legislativas dos estados brasileiros.

O evento online também teve a participação do coordenador-residente do Sistema ONU no Brasil, Niky Fabiancic, que abordou a importância da retomada do crescimento econômico após a pandemia, mas com inclusão e sustentabilidade. “Para as Nações Unidas, a desigualdade é muito mais do que a desigualdade de renda. Tem sentido amplo, de gênero, de raça, entre pessoas que nascem em Estados mais ricos que outros”, explicou, completando que a América Latina é a região mais desigual do planeta.

“Os avanços das últimas décadas não têm sido significativos. Então, o que podemos fazer? A sociedade brasileira tem que ter uma discussão de que tipo de retomada estamos falando. Da nossa perspectiva, estamos falando de crescimento econômico que seja inclusivo e sustentável”, afirmou o coordenador-residente da ONU. Para ele, também é importante ter políticas públicas que distribuam melhor a riqueza. “É necessário promover, por um lado, o crescimento econômico inclusivo e sustentável e, por outro, distribuir melhor a riqueza, criando oportunidades para todos, principalmente para aqueles que estão em situação mais vulnerável”, salientou.

Sobre o papel da ONU nessa jornada, Fabiancic disse que o aniversário de 75 anos é a oportunidade de refletir sobre o futuro. “A ONU deu contribuições significativas para a construção de um mundo mais pacífico e igualitário, mas cada pessoa que ainda está fora da escola, que ainda vive na pobreza ou que não sabe de onde virá sua próxima refeição deve nos lembrar que ainda há muito por fazer.”

A live foi mediada pela jornalista Valéria Almeida e teve tradução simultânea de Libras. O evento integra as iniciativas  UN75, a maior conversa global do mundo sobre “o futuro que queremos”, lançada pelo secretário-geral da ONU no início do ano. O UN75 se destina a promover conversas em todos os segmentos da sociedade, em especial com os jovens, para construir uma visão global para 2045, ano do centenário das Nações Unidas.

Foto destaque: Live “O futuro que queremos, sem deixar ninguém para trás” comemorou o aniversário de 75 anos das Nações Unidas. Foto: Reprodução