Novo velho tempo: negacionismo científico e extremismo religioso

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 29.10.2020

Não é de hoje que ciência e religião travam uma luta pela verdade na interpretação do mundo. Já na Grécia Antiga o advento dos socráticos procurou interpretar o mundo apenas com o uso da razão, se contrapondo às interpretações dadas na Mitologia Grega, que eram dependentes da interferência dos deuses. Tempos depois, durante a baixa idade média no mundo ocidental, a Igreja Católica tutelava toda produção científica existente. Ao mesmo tempo em que nos mosteiros se produzia “ciência”, aquilo que era produzido fora da tutela da Igreja nem sempre era aceito sob o argumento de estar em conflito com a lei de Deus.  Já no século XX o Papa São João Paulo II publicou a Encíclica Fides et Ratio (fé e razão, 1998) procurando estabelecer a importância e os limites da ciência (razão) e religião (fé) na interpretação do mundo. Hoje, o próprio Vaticano tem sua Academia de Ciências que tem sua origem no século XVII.

Ao contrário da fé, a ciência baseia-se em evidências para que seja validada e aceita. Tais evidências não são sempre fatos concretos como defendiam os filósofos empiristas, pois, a ciência também trabalha com a abstração e com a probabilidade. Já a fé é muita mais subjetiva, onde tudo depende do fato de você crer ou não crer. De toda forma, ciência e religião têm limites e devem atuar juntas na construção e interpretação do mundo.

Vale lembrar que em 1904 ocorreu no Brasil uma revolta contra a vacinação obrigatória de combate a varíola proposta pelo médico Osvaldo Cruz.

Os últimos acontecimentos no Brasil e também em outros países envolvendo os terraplanistas (os que crêem que a Terra é Plana) e o movimento antivacina, suscitou novamente a falsa oposição Ciência x Religião. Juntando um misto de ignorância, fanatismo religioso e teoria da conspiração, governantes e líderes religiosos atiçam seus seguidores a, sem maiores argumentos nem provas, duvidar e até se negar a aceitar aquilo que está cientificamente comprovado. Vale lembrar que em 1904 ocorreu no Brasil uma revolta contra a vacinação obrigatória de combate a varíola proposta pelo médico Osvaldo Cruz. Porém, naquela época, não se tinha o nível de desenvolvimento científico e nem se tinha tanto acesso a informação como temos hoje. Assim, conclui-se que o movimento antivacina bem como, o terraplanismo e outras aberrações atuais devem-se muito mais às ideologias políticas de caráter populista e aos dogmas religiosos descontextualizados.

A Revolta da Vacina foi um motim popular ocorrido entre 10 e 16 de novembro de 1904 na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

Quando em assuntos de ciência, sobretudo na medicina, as pessoas resolvem ouvir muito mais os políticos e líderes religiosos que aos profissionais de saúde, é sinal que a sociedade está muito doente.

*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e membro da Academia Cabense de Letras – ACL. Escreve às quintas-feiras.

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