JOVENS AUTORES – Graça: do trabalho invisível da pesca ao empoderamento

Por

Taylinne Barret

Em 13.11.2020

No Brasil as mulheres participam da pesca desde o período colonial, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) existe aproximadamente um milhão de pescadores artesanais no Brasil, sendo 45% mulheres, apesar disso o histórico demonstra uma invisibilidade e uma ampla desvalorização dessas mulheres e seu trabalho pesqueiro. A pesca sempre foi considerada uma atividade exclusivamente masculina, até a década de 1950 apenas homens podiam se cadastrar como pescadores já que o cadastro era realizado pela Marinha como fins de reserva naval, na qual as mulheres não se encaixavam.

O trabalho pesqueiro se caracteriza sendo uma das profissões mais antiga do mundo, somente com a promulgação da constituição de 1988 no Brasil é que os trabalhadores da pesca passam a terem direito á benefícios previdenciários sendo eles: direito a aposentadoria, seguro por acidentes, pensão por morte, auxílio-doença e auxílio-reclusão.

Filha do pescador Severino Barbosa do Nascimento e da Artesã Nazira Barreto do Nascimento, Maria Daguia Nascimento Barbosa mais conhecida como Graça desde criança já sabia com o que queria trabalhar, com apenas seis anos de idade já acompanhava seu pai em açudes e rios ”Quando ele não me levava eu chorava, chorava, chorava tanto” conta ela.

Em 1983 começou a trabalhar, observando que os pescadores não aceitavam a presença das mulheres nem para empurrar as jangadas decidiu redirecionar suas forças para conquistar a confiança dos trabalhadores “Deu trabalho, só tinha homens, eu pensei: mulher não pode chegar perto mas todo homem gosta de tomar um cafezinho, eu fazia duas garrafas de café e saia de casa 3h da manhã e por ali fui conquistando, nisso foi quase um ano para eles deixarem empurrar uma jangada” concluiu a pescadora.

Depois de um ano que estava trabalhando na pesca com jangadas surgiu uma oportunidade de ir para o mar acompanhando um pescador que tinha 58 anos de experiência, apesar de não acreditar na habilidade da pescadora foi impossível não reconhecer o trabalho e a quantidade de peixe que ela trouxe para casa naquele dia “Foi de boa visse? Entrou cento e poucos quilos de cavala, peixe de verdade, depois que eu fui com esse senhor chamado Pedro pão duro no outro dia todos eles queriam me levar”.

Seu trabalho contribuiu para lhe abrir o horizonte principalmente quanto á necessidade de escancarar a participação feminina na atividade pesqueira e a luta pelos direitos legais, o primeiro passo foi o despertar de consciência dos homens que trabalhavam ao seu redor “a profissão de pescador sempre foi muito difícil, para mulher pior ainda. Ganhei a confiança deles mas a faca nunca saiu da minha cintura”, conta.

Em 1996 o barco ao qual trabalhava foi pego pela Marinha em uma inspeção, uma das informações que foi lhe passada foi à necessidade da documentação dos pescadores que estava em alto-mar, assim que chegou a terra firme Graça procurou o IBAMA para resolver sua documentação conquistando assim a sua carteira profissional, tornando-se a primeira mulher em Pernambuco a ser reconhecida como Pescadora e atualmente, junto a Associação de Pescadores de Barra de Jangada – APBJ organiza as lutas para garantir o acesso de todos aos direitos conquistados.

O trabalho dessas mulheres é praticamente invisível para a maior parte da sociedade, são mulheres que não vemos e não admiramos por não conhecermos suas histórias, histórias essas que tem um impacto não apenas simbólico mas também prático, o empoderamento dentro desses espaços vem proporcionando a conscientização do valor dessas mulheres que além de desempenharem suas atividades no setor pesqueiro são responsáveis pelos cuidados do lar e dos filhos, além disso a afirmação da identidade de pescadora é consequência de toda a luta que mulheres assim como Graça precisaram desafiar e enfrentar para serem reconhecidas.

Em entrevista quando foi perguntada se olhando para tudo que passou desistiria de ser pescadora, respondeu: “Claro que não. Se eu morresse agora morreria satisfeita e feliz por que pude ver e posso ver ainda no mar todas as cores que existem na natureza, toda água é incolor mas no mar é do verde ao preto, são essas coisitas que são poucos que curtiram e aqueles que foram pra curtir não tiveram tempo por que vomitaram demais e eu não, eu desfrutei muito e ainda desfruto. Eu amo a natureza e acredito que o espírito santo é essa coisa que respiramos chamado ar.”

 *Taylinne Barret tem 22 anos. É fotografa e estudante do 2° período de Jornalismo da Faculdade dos Guararapes, Jaboatão dos Guararapes (PE).

NOTA DO EDITOR

Com este artigo assinado por Taylinne Barret, de apenas 22 anos de idade, o blog Falou e Disse dá sequência à coluna JOVENS AUTORES. O espaço é destinado a estimular e encorajar adolescentes e jovens a compartilharem as suas ideias e os seus pontos de vista de maneira mais ampla, buscando publicar crônicas e artigos sobre os mais variados temas.

O artigo Graça: do trabalho invisível da pesca ao empoderamento foi editado respeitando-se a íntegra do texto recebido.

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