O esgotamento do sujeito pelo excesso de informação

Por

Nelino Azevedo de Mendonça*

Em 18.11.2020

A proliferação desmedida e sem critérios da informação gera perda de autonomia, esfacelamento da noção de si e adoecimentos psíquicos que comprometem a autoestima do sujeito e provoca a anulação da alteridade. O sistema faz a massa de informação circular de forma cada vez mais rápida, com o propósito de fazer circular, também, cada vez em maior quantidade o capital. É importante para o avanço do neoliberalismo e das estruturas que fortalecem esse sistema a atualização de estratégias que podem inviabilizar as possíveis formas de resistências e deixar um campo aberto, sem barreiras, para o avanço do consumo de informação e da forma desmedida de comunicação. E uma das razões fundamentais para alimentar esse tsunami de informações é a perda da capacidade de análise crítica da realidade e de uma consequente leitura superficial de mundo.

Quanto menos pessoas esclarecidas, maior será a possibilidade de manipulação da consciência e da perda de autonomia dos sujeitos. A fraca capacidade de análise crítica alimenta a grande onda de informação. A massa de informação diária que recebemos é incompatível com a nossa capacidade de processá-la. Consumir muita informação não implica, absolutamente, em melhor capacidade de definição e escolha. Ao contrário, pode ser um impedimento para decisões mais coerentes e assertivas.

Muita informação num contexto social de pouca capacidade analítica pode ser um perigo para o andamento da sociedade e um instrumento cerceador de direitos humanos e sociais, além de possibilitar a perpetuação de tiranias e governos déspotas. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han afirma que “A massa de informação não produz por si mesma nenhuma verdade. Ela não traz nenhuma luz à escuridão. Quanto mais informação é liberada, mais o mundo se torna não abrangível, fantasmagórico. A partir de um determinado ponto, a informação não é mais informativa [informativ], mais sim deformadora [deformativ], e a comunicação não é mais comunicativa, mas sim cumulativa” (2018, p.106), No Enxame – perspectivas do digital, Vozes.

Outra questão fundamental resultante desse tsunami de informações, que chega sem critérios e afoga as pessoas numa profusão e confusão de ideias e conteúdos, é o crescente adoecimento de grande parcela da população por distúrbios psíquicos. David Lewis é um psicólogo britânico que desenvolveu, na década de 1990, a teoria de que o excesso de informação gera nas pessoas um processo de adoecimento psíquico. Lewis chamou essa enfermidade de SFI (Síndrome da Fadiga da Informação), pois, segundo ele, o excesso de informação provoca uma redução, ou mesmo paralisação, da capacidade analítica das pessoas, aumentando suas dúvidas e ansiedade. Apesar desse estudo, inicialmente, ter como foco as pessoas que desenvolviam em seus trabalhos atividades que precisavam lidar com grande quantidade de informação, o entendimento hoje é de que essa síndrome se estendeu por toda a sociedade e afeta milhões de pessoas em todo mundo.

O excesso de informação que vai diariamente bombardeando as pessoas gera um esgotamento e contribui para o aumento da depressão e de crises de ansiedades. A quantidade e a velocidade de informação provocam cansaço e confusão mental impulsionadores de distúrbios que comprometem a capacidade de discernimento no cotidiano do trabalho e da própria vida. A quantidade de inovações e atualizações advindas das coisas que usamos no dia a dia provoca certo estresse e impaciências para lidar com essas mesmas coisas e essas impaciências se transformam em ansiedades que muitas vezes se transformam em profundas depressões. Basta você verificar ao seu lado, no seu trabalho ou mesmo nas pessoas com quem você convive diuturnamente. Muita ansiedade, muita crise de impaciência, muitas depressão. Quantos dos nossos colegas de trabalho estão adoecidos e afastados das suas funções por alguns desses sintomas?

O ambiente digital também impulsiona severamente esse tsunami de informação e é causador desse processo de adoecimento. As redes sociais são lugares autorreferentes e de individualismos narcísicos que contribuem para esse processo de esgotamento pelo excesso de informação. Nesses espaços de comunicação a informação circula sem critérios e é destituída de durabilidade, são sempre informações de curtíssimo prazo. Elas não emanam resistências porque precisam de velocidade para circular e, por isso, carecem de uma proximidade extrema que chega a eliminar a outro.

A presença do outro implica em outros modos de convivência e interação e uma das questões fundamentais para isso é um distanciamento necessário entre os sujeitos para que possam afirmar as suas singularidades e, a partir disso, estabelecerem inter-relações com possibilidades geradoras de alteridade. As mídias sociais não são capazes de gerar esse processo de alteridade porque precisam de uma proximidade capaz de eliminar o outro como diferença. O mundo digital é autorreferente e por isso não comporta o outro.  Nesse ambiente, o outro é somente aquele que se corporifica em curtidas e likes. É pelo click na tela que se confirma a existência do outro e, nessa lógica, essa existência não deve ser um impedimento para que a massa de informação circule na sua velocidade exponencial. Como dito antes, quantidade de informação não é sinônimo de qualidade e de conteúdo capaz de gerar boas decisões e atitudes.

Nesse caso, o melhor é ampliarmos a nossa capacidade de análise crítica para filtrarmos as informações e dispensarmos grande parte dessa avalanche de informações, sabendo diferenciar o que é essencial, para não sermos apenas mais um nessa manada que segue o rumo da igualização e do adoecimento.

 

*Nelino Azevedo de Mendonça é professor, mestre em Educação e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve às quartas-feiras.

 

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