Advogada premiada na ONU usa Kombi para combater intolerância

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Mariana Lima/Observatório do 3º Setor

Em 18.11.2020

A advogada Sheila de Carvalho, de 30 anos, é apaixonada por rap. O ativismo pelos direitos humanos surgiu ainda na adolescência ao ouvir “Diário de um Detento“, sétima faixa do álbum “Sobrevivendo no Inferno” (1997) do Racionais MC’s, que remonta o Massacre do Carandiru.

Sua atuação nos Direitos Humanos, motivada pela música, trouxe resultados surpreendentes. Em 2020, Sheila foi premiada pela Organização Nações Unidas (ONU) como uma das pessoas Afro-descendentes Mais Influentes (MIPAD).

O prêmio contempla as áreas de “Negócios”, “Mídia e Comunicação” e “Humanitário, Religião e Ativismo”. Sheila foi premiada na última categoria.

O caminho até a ONU

A advogada ouviu antes de entrar no espaço universitário que direitos humanos era coisa para “defender bandido”, mas ela se recusava a crer nesta colocação.

No espaço universitário, além de encontrar dificuldades para levantar a pauta de direitos humanos, Sheila se deparou com uma desigualdade gritante.

Ela levava quase 3 horas de ônibus do Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, até a sua Universidade localizada na região central. Além disso, o que ganhava com o estágio no mês, seus colegas gastavam em um fim de semana.

Em meio a experiências tão destoantes de sua realidade, Sheila teve o primeiro contato com a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe trabalhadora (Uneafro), chegando a dar aulas preparatórias para o vestibular.

Atualmente, além de ser militante, Sheila é advogada da Uneafro Brasil e sócia do Carvalho Siqueira Advogadas e Advogados, escritório especializado em litígio de interesse público.

Ela também compõe o grupo Prerrogativas, que reúne grandes nomes da advocacia brasileira em prol de mobilização política frentes aos ataques das institucionalidades que tem ocorrido no Brasil.

O grupo surgiu em 2016, em meio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O episódio, de acordo com Sheila, rompia com tudo que a sociedade brasileira vinha construindo desde a redemocratização, em 1988.

Ela pontua que a onda bolsonarista é consequência de problemas anteriores, que incluem o fortalecimento de uma sociedade que tem aversão a educação e a ciência.

Um encontro democrático

Em 2014, Sheila teve a oportunidade de conhecer um dos políticos que mais admira: Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai. Ela foi atrás dele em uma palestra para conversar sobre o cenário da política brasileira após a reeleição de Dilma Rousseff, época em que o clima tenso do país já se amplificava.

Ao ver o desespero com que Sheila encarava a situação, Mujica disse que existia um movimento muito forte com o objetivo de derrubar tudo aquilo que lutaram para que fosse conquistado e garantido como direito para todos, mas que caberia aos jovens a paciência e a militância, pois não haveria transformação sem esses dois ingredientes.

A conversa a marcou tanto que Sheila tatuou as palavras no punho. Contudo, apesar da esperança dada por Mujica, o resultado das eleições de 2018 foi um baque duro de aguentar.

Após os resultados, Sheila revela que houve uma depressão profunda e coletiva da militância, sendo este o momento em que chegou mais perto de desistir.

Um plano de fuga

A advogada teve a ideia de fugir para o Uruguai e começar a vender brigadeiros. Sheila achou que seria divertido fazer isso em uma Kombi, um sonho antigo e se empenhou nas pesquisas para comparar o automóvel.

Com a Kombi a disposição, depois de muito pensar, ela chegou a ideia da Kombativa: Kombi de luta. Ela reuniu um grupo de comunicadores sociais, de relações internacionais, advogados, da saúde, assistência social, que se reconhecem como defensores de direitos humanos.

Ela pontua que a derrota não foi apenas da eleição, mas de uma agenda de direitos. A proposta da Kombativa era ser um café com direitos humanos para tentar fazer uma construção política afetiva, sem o ambiente tóxico do espaço online.

Aos sábados, o pai de Sheila dirige a Kombi pelas regiões periféricas de São Paulo. Eles param em escolas, praças e centros culturais para discutir direitos humanos com as pessoas das comunidades.

Com café e bolo, preparados por Sheila, dão o tom informal da conversa. Nestes encontros, ela ouve muito que “direitos humanos não são para mim”, mas a frase só ocorre porque existe uma carência de diálogo.

A advogada considera a Kombativa uma ação muito importante para a sua construção política e, assim que a pandemia do novo coronavírus acabar, ela pretende retomar com as atividades, mas sob uma nova perspectiva.

O seu novo escritório de direitos humanos itinerante atuará para prestar serviços e formar politicamente a população, com base na paciência e na militância.

Fonte: UOL ECOA | Especiais