História da escravidão ajudaria a ultrapassar questões como o racismo
Redação, com ONU News
Em 04.12.2020
Acadêmica brasileira Ana Lúcia Araújo defende ensino do tema e sugere abordagem aberta para combater preconceitos; obra “Escravidão na Era da Memória” associa a origem de formas atuais de racismo ao comércio transatlântico de escravos.
A historiadora brasileira Ana Lúcia Araújo, que vive nos Estados Unidos, lançou a obra “Escravidão na Era da Memória”, na qual evidencia algumas marcas da escravatura. Ela partilhou essa experiência em eventos da Organização das Nações Unidas (ONU) que abordaram o tema, em especial na quarta-feira (2), Dia Internacional da Abolição da Escravidão. As Nações Unidas destacam que essa prática não ficou somente no passado, mas continua em formas contemporâneas nos dias de hoje.
A historiadora recorda que milhões de africanos foram traficados e que percepções desse tipo de exploração ainda devem ser avaliadas.
Falando à ONU News, de Washington, Ana Lúcia Araújo defendeu que hoje o ensino da história de escravidão é um meio para ultrapassar questões como o preconceito e “quebrar com essa mentalidade que continua presente”. Ela lembrou os casos do Brasil e de Portugal.
Memorial
“O Brasil, sozinho, importou praticamente 5 milhões de africanos escravizados. E essa foi uma história que, no caso do Brasil, durante muitos anos ficou velada. No caso de Portugal também. Vemos só agora, em Portugal, toda essa questão emergindo sobre a participação no comércio de escravizados. E em seguida com a presença portuguesa, também em termos da colonização da África, e a questão do racismo. Então, Portugal agora, eu diria principalmente nesta última década, que está começando a discutir essa questão. Tem um memorial que está programado para ser inaugurado em Lisboa no próximo ano. O Brasil começou essa discussão pouco antes. Mas durante muito tempo existia essa ideia de que o país era livre dessa questão do racismo. Que era o país onde predominava a ficção da democracia racial. Mas todos esses mitos aí têm sido desmantelados.”
A historiadora e professora faz parte do Comitê Científico Internacional do Projeto A Rota do Escravo, da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Ela explica por que a discussão sobre o racismo deve envolver a escola.
“O Brasil é um país que ainda vive com esses legados da escravidão, seja a questão do racismo, da violência, da encarceração em massa de jovens que são racializados como negros. Entender essa história, ensinar essa história também é uma forma de abordar esse racismo, que é um racismo histórico e que não é privilégio de um país, como os Estados Unidos, mas que também existe em todos os lugares onde a escravidão existiu a partir do momento em que os colonizadores europeus chegaram nas Américas.”
Comércio
Sobre a obra lançada num ano marcado por incidentes que realçaram relações de raça em vários países, a acadêmica diz que seria importante compreender como o comércio atlântico de escravizados ditou uma migração forçada transoceânica.
“E o mais importante é que esse comércio atlântico de africanos escravizados que dá origem ao racismo tal qual nós vemos hoje: o racismo anti negro. Contra pessoas negras. Eu acho que isso é o elemento importante. Porque, muitas vezes, as pessoas fazem comparações com outras: por que ‘a escravidão sempre existiu’, ‘existia escravidão no Egito ou existia escravidão na Grécia.’ Mas essa escravidão que foi estabelecida nas Américas, a partir do comércio atlântico, é uma escravidão que foi baseada sobre essa diferença artificial que é a ideia de raça que é uma construção. Mas que se tornou uma realidade porque as pessoas que são racializadas hoje como negras continuam sendo discriminadas.”
Ana Lúcia Araújo defende que analisar esse trajeto ajudaria a quebrar preconceitos atuais. O projeto A Rota do Escravo promove o aprendizado dos fatos do passado para incentivar princípios do futuro.
Desde 1994, a iniciativa da Unesco promove o combate ao preconceito, à discriminação racial e todas as formas de escravidão. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas são afetadas em todo o mundo.
Foto destaque: Israa Hamad –