A Academia está nas ruas

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 03.12.2020

O pensador brasileiro Rubens Alves disse certa vez que não se impressionava com laboratórios, pois, o maior dos laboratórios é a vida. Ele criticava algo ainda muito presente nos dias atuais: a distância entre o saber formal/técnico/acadêmico do saber popular. Em outras palavras, o saber que se produz nas academias precisa dialogar diretamente com as pessoas mais simples, com o cotidiano sem com isso perder sua cientificidade. É um desafio principalmente para os que entendem que o conhecimento deve, em primeiro lugar, estar a serviço das pessoas e não do Mercado.

Há algumas áreas do conhecimento nas quais se vem tentando fazer o diferente. Nos estudos ambientais que envolvem algumas áreas como a Geografia, Biologia, Engenharia Ambiental, Agronomia etc, tem-se buscado valorizar o modo de vida e conhecimento historicamente construído pelas populações originárias, sobretudo, os indígenas e quilombolas. Por outro lado, existe na Academia brasileira certo academicismo produtivista e elitista. Escrevem-se artigos que não são lidos nem entendidos por quem está fora do “gueto”. Como acadêmico, fico a me perguntar de que adianta escrever algo se praticamente ninguém vai ler ou entender a não seus pares que, muitas vezes fingem que lêem, visto que são poucas produções que de fato acrescentam alguma coisa ao que você já sabe sobre determinado assunto. Por isso, acho que os projetos de Extensão têm papel fundamental na difusão e no diálogo de conhecimentos.

É possível afirmar que o Brasil corre o risco de enfrentar em médio prazo uma crise na falta de professores/as.

Com relação aos cursos ofertados, outro fator é limitante. No Brasil há de fato os cursos da elite e os cursos para as demais pessoas. Apesar de nos últimos 20 anos ter havido um acréscimo no número de jovens que adentraram as universidades, favorecido pela expansão destas – sejam elas privadas ou públicas e aos programas como o ENEM e Prouni,- nota-se que as vagas nos cursos como Medicina, Direito e algumas Engenharias são fundamentalmente ocupadas por pessoas oriundas da classe média e alta. O que reforça o elitismo da Academia no Brasil, apesar de em muitos destes cursos haver iniciativas louváveis de tentativa de superar este elitismo. Por outro lado, cursos “menos nobres” como as licenciaturas (formação de professores/as) andam esvaziados e sem interesse por parte da juventude. É possível afirmar que o Brasil corre o risco de enfrentar em médio prazo uma crise na falta de professores/as. Aliás, esta crise já existe para áreas como ciências exatas e artes.

A valorização de determinados campos do conhecimento em detrimento de outros, o desprezo pelo conhecimento existente fora dos laboratórios e das universidades é, ainda hoje, um traço da herança do elitismo na educação brasileira. Haja vista que a expansão e a estruturação da educação formal no país, além de ser uma iniciativa tardia, privilegiaram e ainda privilegiam as camadas mais abastadas da sociedade.

*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e Membro da Academia Cabense de Letras – ACL. Escreve às quintas-feiras.

Foto destaque: ComCiência