SALA DE CINEMA – A decisão radical da Warner Bros. e o futuro do cinema

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Por Pedro H. Azevedo*
Em 06.12.2020

Na última quinta-feira (03 de dezembro), a Warner Bros. fez um anúncio bombástico que abalou as bases e o futuro das salas de cinema. Uma das maiores produtoras do mundo anunciou que seus filmes de 2021 serão lançados nas salas de cinema e no seu serviço de streaming, HBO Max, simultaneamente nos EUA. Ao total serão 17 filmes lançados pelo estúdio no próximo ano que seguirão esse modelo de exibição. Entre eles estão grandes e aguardados lançamentos como Matrix 4, Godzilla vs. Kong, Duna e Esquadrão Suicida 2. No resto do mundo o lançamento continuará sendo exclusivo das salas de cinema, pelo menos até o lançamento do HBO Max fora dos EUA. O lançamento no Brasil está previsto para 2021.

O impacto foi imediato nas empresas exibidoras dos EUA. O preço das ações da IMAX sofreram queda de aproximadamente 7%, as da AMC, maior rede de cinema dos EUA, passaram de 17% de queda e da Cinemark despencaram 21%. Algumas das empresas já declararam o descontentamento com a decisão tomada pela Warner Bros. e esperam reverter de alguma forma essa situação.

A verdade é que a combinação da pandemia – muito mais como catalisadora – com a entrada massiva dos grandes estúdios nas plataformas de streaming está causando a maior crise da história do cinema, mais precisamente das salas de cinema.

O cinema já passou por duas crises que foram vistas nas suas respectivas épocas por alguns como sua possível morte. A primeira foi na segunda metade da década de 40, quando os estúdios de Hollywood enfrentaram um difícil momento por conta da popularização dos televisores e do Caso Paramount — onde o Estado norte-americano, aplicando a lei antitruste, fez com que os grandes estúdios do país perdessem o controle das salas de cinema (decreto este que foi revogado em agosto deste ano pela justiça norte-americana). Para competir com os televisores, os estúdios e exibidoras criaram salas com diferentes e inovadoras formas de projeção como o CinemaScope (que mudou para sempre a janela do cinema, do formato mais quadrado para o widescreen), Cinerama e o cinema 3D, que acabou não vingando na época.

Já a segunda começou no meio dos anos 70, com a chegada do VHS. Mas as exibidoras logo se entenderam com as produtoras e criaram as janelas de exibição, período de tempo em que as salas de cinema teriam a exclusividade de exibição dos filmes antes deles serem distribuídos em Home Video ou exibidos nos canais de TV. Em julho deste ano, a Universal fez um acordo com a AMC para a diminuição do tempo dessa janela para poder explorar com mais agilidade seus filmes via streaming e agora a Warner Bros. abole completamente ela por pelo menos um ano.

Fica claro que muito mais do que uma alternativa de exibição para o período da pandemia, a decisão da Warner foi uma agressiva estratégia na guerra dos serviços de streaming. Desde o sucesso absoluto da Netflix, os grandes estúdios de cinema viram a possibilidade de eles mesmos possuírem suas próprias plataformas de exibição, voltando a possuir todos os 3 pilares da indústria do cinema novamente (produção, distribuição e exibição), e assim estão fazendo.

O maio r exemplo junto com a Warner Bros. é a Disney. A empresa criou o seu próprio serviço de streaming, Disney+, que inclusive foi lançado recentemente no Brasil, e vem usando uma estratégia radical para garantir a exclusividade absoluta dos filmes e séries na sua plataforma. Ela encerrou a produção de DVDs e Blu-rays e as exibições nos canais de TV fechada e aluguel via internet, agora, para ver qualquer obra do estúdio é necessário assinar o Disney+. Com a Marvel, Pixar e Star Wars dentro do seu guarda-chuva, ela espera repetir o sucesso que essas marcas possuem nas salas de cinema em séries de TV com produções dignas dos grandes filmes do estúdio como O Mandaloriano, derivado da franquia Star Wars, e WandaVision, que estreará em janeiro e se passa no universo cinematográfico Marvel. Além disso, a Disney ainda lançou Mulan (que estreou no Disney+ do Brasil na última sexta-feira) diretamente na plataforma, ignorando os cinemas que estão parcialmente abertos. Mesmo não tendo divulgado até agora o ganho ou perda gerado, o fato disso ter sido realizado já indica a possibilidade de viabilidade desse modelo de exibição.

Um outro fator que aparentemente levou a Warner a tomar esta decisão drástica foi o lançamento de Tenet nos cinemas. O filme dirigido por Christopher Nolan e produzido pela Warner que vinha sendo vendido como o possível salvador dos cinemas, o filme que iria trazer o público de volta as salas no mundo inteiro, foi um retumbante fracasso de bilheteria, rendendo, até o momento, pouco mais de 357 milhões de dólares, quando se era esperado pelo menos 800 milhões. Isso fez com que todos os estúdios de Hollywood adiassem seus lançamentos ou buscassem novas estratégias de exibição dos seus filmes. Ironicamente, o filme que pretendia salvar o cinema parece ter feito o contrário.

Agora resta saber como as exibidoras irão reagir a toda essa situação. Visto que estão vivendo a maior crise de sua história por conta da pandemia e terão que bolar estratégias para atrair o grande público a sair de suas casas, onde eles poderão assistir aos filmes em cartaz pagando menos, com mais controle, conforto e, enquanto a pandemia não é controlada, mais segurança. É claro que a comparação entre a experiência de assistir a um filme em uma sala de cinema, com imagem e som impossíveis de serem obtidos em casa e com a aura especial que só uma sala de cinema possui que é capaz de imergir o espectador na obra, isolando ele completamente do mundo exterior e concentrando todos os estímulos na tela gigante e no som alto criando um estado mental único, um efeito que o psicólogo alemão Hugo Mauerhofer vai chamar de situação cinema em seu ensaio “A psicologia da experiência cinematográfica.”

Mas o que se observa do comportamento das pessoas é que são poucas as que realmente se importam com essas questões. O que a grande maioria deseja é chegar de um dia cansativo de trabalho e poder assistir a algo no conforto do seu sofá, ao invés de sair de casa e gastar dinheiro com algo que já está disponível na TV.

Que o streaming seria um marco na história do cinema não era nenhuma grande surpresa — Scorsese chegou a dizer em outubro do ano passado que as plataformas de streaming gerariam “uma revolução ainda maior do que a que o som trouxe para o cinema” — mas era difícil imaginar que ela se daria em tão pouco tempo e da forma tão brusca.

*Pedro H. Azevedo é concluinte de Engenharia Mecânica. Escreve e administra a página Um Toque de Cinema no Instagram. Escreve aos domingos.