Os livros, o interesse e o custo Brasil

Por
Ayrton Maciel *
Em 06.12.2020
“Um País se faz com homens e livros”. A frase é de Monteiro Lobato, um dos grandes da literatura nacional. Acredito na sentença do escritor. Livros, como base da educação e da abertura para o mundo, o conhecimento, a ciência. Homens, com base em livros, pelos escrúpulos que compõem o caráter. É como interpreto. Uma frase verdadeira, porém, romântica. O Brasil que o diga.
Escutamos, desde sempre, que o  “brasileiro lê pouco”, o “brasileiro não gosta de ler“, “no BR se compra pouco livros” e as bibliotecas são o último atrativo de lazer. Um cenário de realidade. Com o crescimento econômico e tecnológico do País – não poderia ser diferente, apesar de lento -, o interesse pelos livros e pela leitura nitidamente cresceu, constatam as pesquisas. Mas, não o suficiente para a narrativa a seguir não ser verdade.
Esta é uma história real. Entretanto, se me contassem, ficaria me perguntando: “será que é possível?”. Com a pandemia do Covid-19, vieram o isolamento, o distanciamento e mais tempo de todos em casa. O quebrado, o feio, o sujo e o excesso ganharam evidência. Famílias passaram a organizar, se desfazer, renovar e querer doar. É o caso que agora conto: a morte “matada ou morrida do livro”, e a sua “desimportância”.
Aproveita-se o tempo imposto pela pandemia, começa-se a organizar os espaços e a biblioteca passa a ser local de maior assiduidade. Constata-se que há excesso, e que se doados poderão servir coletivamente. Separam-se os de literatura – alguns da grade curricular – dos didáticos do ensino fundamental e do ensino médio. Seriam úteis a uma biblioteca publica escolar, a uma biblioteca comunitária ou a alguma entidade não-governamental que trabalhe com educação.
Depois de contatos, promessas não cumpridas de ir apanhar e semanas, os livros de literatura infantil e para adolescentes são doados a uma biblioteca comunitária. Doação aceita na condição de se levar os livros ao local, o doador abandonando o isolamento da “quarentena”. Nada demais, seria só manter o distanciamento. Assim foi feito. Restaram os livros didáticos e apostilas, e a esperança de que seriam mais rapidamente adotados.
A esperança não raramente é uma decepção. Dos livros e apostilas atualizados, das variadas áreas, não há quem queira saber. Dos contatos, inclusive sugestões de educadores, nenhum se interessou. Ou só aceitam de literatura ou não têm espaço para colocar; ou não atendem o telefone ou não estão recebendo doações em razão da pandemia.
Estranhamente, é o caso do último contato, o mais recente “não” aos livros. A justificativa não foi a distância para ir buscar, nem a falta de espaço, nem um interesse menor. O atendente de uma biblioteca popular da rede Compaz disse que “não estavam recebendo doações de livros (nenhuma entidade da rede)” por ordem sanitária da Prefeitura do Recife.
Qual o motivo?, uma pergunta óbvia. “Nós não temos  como fazer a sanitização dos livros”, a explicação nada lógica, embora pareça coerente com o momento. É como jogar os livros na fogueira, culpa da pandemia. Observação: os livros estão numa residência e as bibliotecas estão fechadas devido à pandemia. Portanto, há tempo para sanitizar, antes de reabrirem. Acredito, eu.
A justificativa pode ser coerente, mas será suficiente? Foi a única entidade a usar a pandemia como argumento. Com isso, os livros estão disponíveis, mas sem interessados. Talvez esperando a “morte matada” numa empresa recicladora. Parece surreal, mas é real.
É incrível: doar livros é um problema. Quer dizer, imagina-se que muita gente é obrigada a fazer negócio ou mandar para a reciclagem. A saída individualista seria oferecer e procurar interessado um a um, quando o desejo é que sirvam para estudo e consulta coletiva. Com a decepção, está surgindo a última oportunidade para os livros: o caminho do sebo. Uma pena, depois de ser inacreditável.
Para não serem enviados a uma recicladora de papel ou serem transformados em confete e serpentina de carnaval, o caminho é o sebo. Doar a alguém que vai ganhar dinheiro com a doação. Inacreditável, repetidamente: doar livros é um problema. E lá se vai o entusiasmo que pensava que seria fácil, que achava que a dificuldade seria escolher a quem doar. No fundo, conclui-se (e possivelmente de modo geral), doar é um gesto romântico. Não é nada realista.
Real é o custo Brasil. É onde o romantismo e o realismo têm relação de dependência. Muito se lamenta pela série de custos de produção, de concorrência, que causam o desenvolvimento econômico “arrastado” do País. Olha-se os indicadores, os percentuais, os cálculos e projeções a partir da matemática das causas, que dificultam a exportação, que dão desvantagem na concorrência internacional e que inviabilizam até competir com importados no mercado nacional.
Custos das legislações que geram encargos sociais, da burocracia, dos impostos, das contribuições e taxas; custos da ineficiência e dos preços da infraestrutura (estradas, ferrovias, hidrovias, portos), custos das comunicações e das corporações; custos do atraso tecnológico e da baixa produtividade.
O grande custo esquecido é o da educação. São 520 anos. A República não foi capaz de superar em cinco séculos. Este País não é jovem. Cinco séculos são muito tempo. Há outros com a mesma idade e com custos diferentes, que não vivem a se comparar com nações milenares. Não há busca de desculpas constantes, como neste País. Por isso, rejeitar, descartar e reciclar livros não deveriam ser tão estranho. Só os românticos se enganam.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos.
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