A Dança da Morte e o Triunfo do Amor
Jénerson Alves*
Em 01.01.2021
Sob a luz pálida de um pequeno escritório, o Velho Professor acessa sites de notícias. Seus olhos se detêm com a seguinte manchete:
“En Argentine, explosion de joie après le vote légalisant le droit à l’avortement”
Atônito, ele lê que uma certa quantidade de pessoas se uniu para celebrar o assassínio intrauterino. Fumaça, gritos, júbilos em louvor à Morte, amásia do pecado. Suspira. Pensa: “Esta manchete deveria ser outra”. Mesmo sozinho, balbucia:
“E, por se multiplicar a iniquidade, o Amor de muitos esfriará”
Ele lembra que, cerca de dois mil anos antes, Herodes, um megalomaníaco, mandou assassinar as crianças com menos de dois anos de idade, na tentativa de impedir a vida do Amor. Durante o degolo dos inocentes, “em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada, porque já não existem”.
Pior do que Herodes, a Morte celebra o desmancho da gestação – aquele processo de tecer a vida que o Rei Davi decantou como “especial e admirável” (Sl 139:14). Piores do que a Morte, muitos aplaudem o aguilhão da iniquidade, comungando de uma hóstia ensanguentada em uma missa negra com vestes políticas e discursos de justiça.
O Velho Professor dá um salto da cadeira. Desliga o computador, apaga a luz do escritório e, no escuro, recita uma estrofe de Augusto dos Anjos:
“É a Morte – esta carnívora assanhada –
Serpente má de língua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come…
– Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro não lhe mata a fome!”
Ainda atordoado com o que viu e leu, o Velho Professor se prepara para dormir. Como de costume, ajoelha-se à beira da cama para rezar. Fecha os olhos e, enquanto os lábios começam a recitar o Pai Nosso, reluz em seu coração a palavra que está escrita: “Absorpta est mors in victória” (Tragada foi a morte na vitória”). Aqueles que já viram o final da História bem sabem que, no fim, o Amor triunfará. Naquele Dia, ao invés da dança da morte, ver-se-á vida e alegria por todos os espaços do Infinito.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: O Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel