Se Deus fosse ateu

Por

Jairo Lima*

Em 03.01.2021

Dos mais de sete bilhões de habitantes do planeta terra, um pouco menos de dois bilhões e meio se declaram cristãos, portanto, acreditam na existência de Deus, o pai nosso e de Jesus Cristo. Agora, imaginemos se o Todo Poderoso entrasse numa crise existencial e no universo inteiro se espalhasse a notícia de que Deus se tornara um inflexível ateu. Sim, que não acreditasse mais na Sua própria existência, ou seja, sendo apenas “outro ser comum entre nós”. Nada de onipotência, onipresença, onisciência, onividência …oni de absolutamente nada.

Além da grande e perigosa orfandade que isso provocaria na terra, nada mais seria mistério, tudo estaria dentro do explicável pela nossa vã filosofia, pois tudo se enceraria nas mais tolas explicações materialistas. Nenhuma causa teria um efeito, as Leis Naturais seriam só conjecturas de alguns desconfiados e essa nossa enigmática existência humana em relação a Deus seria rapidamente decifrada dentro do conceito panteísta, que finalmente provaria a inexistência de um único Senhor Soberano, sendo, portanto, todos e todas as coisas, feito um brinquedo Lego, partes complementares de um deus retalhado. Assim como outras coisas que somente a dialética da incredulidade com a sua supremacia ora vitoriosa, enceraria qualquer estudo e compreensão acerca de todos os mistérios.

Moisés, por exemplo, teria sido um rudimentar artesão, que esculpiu os 10 Mandamentos ao seu bel prazer, compilando dicas e sugestões dos hebreus, certamente grandes celebridades da intelectualidade daquela época. Os ditos cabeças pensantes que deram algumas dicas para um código de conduta moral, mesmo que com capacidade e força para atravessar milênios.

Jesus, não por menos, teria sido só um simples judeu nômade, que em suas peregrinações hipnotizava pessoas com técnicas aprendidas com as águias no Monte das Oliveiras. Teria tido até a destreza de tinturar água para sugerir ser vinho, num espetacular truque de mágica e, cada “milagre”, claro, encenações previamente combinadas. O aleijado nunca fora aleijado, tampouco o cego foi realmente um cego… Tudo tramado por pura vaidade, já que nenhuma doação financeira recebera em troca.

Madalena certamente não o viu após a crucificação, posto que ressurreição (ou reencarnação) ser coisa impossível. Ela apenas teve um sonho infantil, assim como todos os outros apóstolos alucinados que seguiam um simples revolucionário com ideias que preconizavam tão somente uma reforma social. Longe dessa versão histórica e teológica de que o objetivo d’Ele foi querer alcançar os corações para fazer reformas íntimas. Não faria sentido algum!

O acaso teria força descomunal, pois tudo seria compreendido sob sua luz, assim como a sorte, que rifaria uns e outros não, fruto das escolhas deliberadas de destinos com autonomia própria, sem tino, sem controle. Carma? Provações e/ou missões? Coisas só de quem acredita nessas teorias de vida após a morte. Os mortos nunca falaram, a morte leva a consciência pra dentro das sepulturas, donde jamais saiu ou sairia.

E sendo Deus um simples deus, sem alguma credibilidade mais, nada daria que inspirasse a humanidade. Sobraria apenas o seu próprio nome como opção de batismo, visto que até a renúncia de si mesmo, ninguém se atreveu chamar-se Deus, mas como as coisas diferentes despertam os fetiches humanos, se espalharia mundo afora vários deuses, assim como foi com vários artistas e jogadores de futebol famosos. Afinal de contas a fama do Supremo só cresceria, equivaleria ao interesse que desperta um reality show.

Nós acharíamos o máximo ter em cada família o nosso deus, esses sim, soberanos, oniscientes, onipotentes, alguns ainda crianças, já ditariam as regras dos lares. Quando as dores da alma – ops! Desculpem o lapso – do corpo encostassem, seriam simplesmente curadas com chá de vaidade, arrogância e/ou rancores, acrescido de egoísmo e mais pitadas generosas de drogas viciantes. Fé e orações seriam abolidas do cardápio.

Todos os templos religiosos, sem mais sentido algum de existência, virariam bares ou lojas de venda de produtos chineses. As mais pequenas se tornariam pontos dos chamados espetinhos e de fast-food.

Os cânticos sagrados e as músicas clássicas igualmente não teriam mais lógica e logo o mercado fonográfico diria: o povo gosta mesmo é do brega rasgado e do rap que faz apologia à sexolatria e à violência, assim como faz a cantora Deusa Afrodite e o DJ Deus AK – 47.

Não veríamos mais os livros de autoajuda, das mensagens motivadoras, todos nós seríamos autossuficientes, porque a essa altura a ciência já teria disponibilizado um chip popular que sendo implantado nas nossas cabeças, bastaria erguermos o dedo polegar para cima, e clic, tudo reorganizado, reagrupado e harmônico, quando dos dias de crises, depressões e ansiedades.

Os poderes constituídos fariam uma grande reforma, começando por abolir as comissões de ética, as corregedorias e até as leis disciplinares em voga, pois tudo isso também perderia o nexo. Valores éticos são também valores morais e, portanto, dispensáveis numa sociedade autônoma e intelectualmente ‘bem resolvida’.

Até que finalmente, já no sétimo e último dia da destruição desse nosso mundo, eis que surgem nos céus várias espaçonaves, uma diferente da outra, certamente vindas de diversos pontos do universo. Estupefata, a humanidade se horrorizaria com as palavras do líder da esquadrilha galáctica nos indagando:

– Na casa do Pai há várias moradas e estamos aqui na residência de vocês querendo saber quem espalhou esse boato de que Deus, a inteligência Suprema do Universo e causa primária de todas as coisas, teria negado a Si mesmo?

Faz-se um silêncio sepulcral. Ninguém tem coragem de falar. Fui o primeiro a sair de fininho.

*Jairo Lima é poeta, artista plástico e membro da Academia Cabense de Letras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Foto destaque: Internet