Duas histórias e o desejo de boa sorte

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 07.01.2021

Nos idos dos anos 1980 éramos dois adolescentes franzinos que, juntos às nossas irmãs, trabalhávamos para ajudar nossas mães, visto que ambas tiveram que criar os filhos/as praticamente sozinhas, pois nossos pais não se fizeram presentes. Tentávamos e vendíamos de tudo dentro da dignidade, ou seja, sem enveredar pela criminalidade. Era picolé, água sanitária, banana, confeitos, pipocas, roupas… Lembro-me dos finais de tarde de sexta-feira, ao lado do supermercado Arco-Íris, no centro do Cabo de Santo Agostinho, quando esperávamos minha mãe largar da antiga fábrica Sarabó e nos encontrar para comprar as bananas que seriam vendidas na feira de Pontezinha, no sábado pela manhã. Peso na cabeça e um sobe e desce de ladeiras com destino a estação do trem.

Nos períodos de andada dos caranguejos, lá estávamos dentro do mangue com lama até o pescoço. Ou então, íamos pescar mariscos, taiobas, sururus e siris para ajudar em casa. Noutra frente, às sextas-feiras e sábados, pegávamos frete no Arco-Íris de Pontezinha e no antigo Balaio de Ponte dos Carvalhos. Era sofrido, mas a vontade de ajudar a família era maior, bem como a aprendizagem. De nossas mães aprendemos a nunca abandonar os estudos e sempre ter fé. Dessa forma, o mais velho dos dois, no caso eu, fui o primeiro da família a conquistar um curso superior numa universidade pública. Meu primo penou ainda no balcão de armazém de onde conquistou a simpatia de muitos e tornou-se vereador eleito e reeleito. Já formado, passei a exercer a profissão de professor. Fiz mestrado e doutorado também em universidade pública. Ralei na escola pública estadual, municipal, privada e hoje, estou na rede federal de ensino de onde não pretendo sair.

Na outra ponta, meu primo é eleito vice-prefeito e agora, prefeito eleito do município que está entre as cinco maiores economias do Estado e tem uma população com mais de 210 mil habitantes. Tamanho desafio!

Festa de aniversário da mãe de Enildo, tia de Keko, em janeiro de 2020. Acervo pessoal de Enildo.

Não sou de falar da minha trajetória pessoal nem nunca me coloquei como exemplo. Abomino o discurso meritocrático burguês. Todavia, neste momento, apesar de ser um militante político e não estou tão envolvido com a política municipal, esta foi a forma que encontrei para homenagear as nossas conquistas. Cheguei ao topo da minha carreira enquanto professor, sendo ainda imortal da Academia Cabense de Letras, poeta e compositor. Clayton Marques, conhecido como Keko do Armazém, está no topo do poder municipal. Desejo-lhe boa sorte e que faça um governo digno da nossa história. A cidade precisa, a cidade merece ser cuidada com os olhos da simplicidade e da competência.

*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e membro da Academia Cabense de Letras (ACL). Escreve às quintas-feiras.

Foto destaque: Léo Domingos