Um diabético em tempo de pandemia (parte 2)
Fernando Silva*
Em 16.01.2021
Em julho de 2020 publiquei nesse espaço um artigo no qual compartilhei as inquietações, impressões e cuidados para continuar a viver por mais três décadas. Um passo importante era permanecer sem nenhuma curiosidade pessoal, científica ou não, para ser contaminado pela Covid–19. Continuo preferindo usar máscaras e seguir os demais cuidados sanitários do que ir para um hospital. Usar um respirador e ficar numa UTI, nem pensar. Não quero ter tal experiência nem em pesadelo. Posso sair da UTI direto para a ‘cidade dos pés juntos’. Papai usava essa expressão para se referir aos cemitérios. Reafirmo: gosto muito de mim (estou cada vez mais auto apaixonado), de familiares e das pessoas amigas e próximas. E confesso que não planejava voltar a escrever sobre o tema. Mas, como 2020 insiste em não acabar, então vamos lá!
Depois da minha última saída de casa para trabalho presencial (16.03.2020) algumas peças do guarda-roupa continuam sem ter utilidade. Vão ficar quase novas por falta de uso. Desde então, só utilizei calças e cuecas em duas oportunidades. Uma para ir fazer exame médico exigido para a renovação da CNH e a outra para participar de um bate-papo presencial com um grupo de idosas, em Olinda. Foi uma manhã super agradável. As idosas participaram ativamente da conversa sobre o que compreendemos e defendemos como democracia. Será que entendemos e praticamos a democracia da mesma maneira? E como a democracia se exerce, se manifesta na vida das pessoas?
Os ternos, camisas de mangas compridas, gravatas e o sapato social, bastante utilizados em outros momentos da minha vida, estão aposentados. A Covid–19 é terrível, até aposentar alguns itens de uso pessoal ela conseguiu. Comprei, em março do ano passado, um estoque de sabonetes, creme dental e desodorante. Como não sou exagerado, ainda tenho três sabonetes e o creme dental tem suficiente para mais dois meses. O estoque de desodorante foi reposto.
Caminhando na rua, passaram duas mulheres que ficaram olhando com certa insistência.
Voltei a fazer caminhadas externas, sempre usando máscaras e buscando horários com menor número de pessoas circulando. Num final de tarde precisei ir à farmácia para reabastecer o estoque da medicação que contribui para manter o controle da diabetes. Caminhando na rua, passaram duas mulheres que ficaram olhando com certa insistência. Depois, mais uma terceira, uma quarta. Fiquei com o ego massageado. Em seguida, uma senhora, com idade beirando oito décadas de vida. Ela olhou firme, insistente. E com ar de reprovação. Percebi que eu estava sem a danada da máscara. Nenhuma estava querendo paquerar. Eram olhares de reprovação. Educativos. Funcionaram. Voltei para casa e coloquei a máscara.
Por falar em senhora, minha mãe, Ivanilde, já com mais de oito décadas de vida, fará aniversário dia 17 de abril próximo. Insiste em querer visitar o meu irmão Manuel, a nora, seus netos e sua irmã que moram em Tamandaré, uma das belíssimas praias do litoral sul pernambucano. Eu e minha irmã, Neide, sempre falamos que não é o momento, que os casos e as mortes pela Covid–19 não estão sob controle. O total de mortes em Pernambuco, Brasil e no mundo é assustador.
Mamãe, na última vez que veio passar uma semana comigo, trouxe até roupa de praia. Estou achando mamãe muito assanhada. Espevitada. Estou achando que ela quer pegar um bronze. Arrumar um namorado. Pergunto se ela quer engravidar, afinal, ela tem todo direito. Ela sempre sorri e balança a cabeça. Calma. Ela diz não querer nem uma coisa e nem a outra. Paciência. Não vou ganhar nem padrasto e nem irmã ou irmão.
Continuo a estudar, remotamente, e a trabalhar à distância (TAD). Que falta sinto dos contatos presenciais! Conhecer outras pessoas, presencialmente. Boa parte da turma do mestrado conheço apenas virtualmente. Uma pena. É estranho, porém, é o que temos para o momento.
Desde o feriadão de 07 de setembro que percebo sinais trocados na comunicação e nos comportamentos. As regras e os cuidados sanitários continuam os mesmos. Porém, querem manter cuidados sanitários em lugares improváveis. Sou muito limitado. Não consigo entender como combinar distanciamento social e uso de máscaras em determinados ambientes públicos, praia, festas e bares, principalmente.
Graças à medicina, equipes de saúde e a Deus, ninguém da minha família morreu pela Covid–19. Porém, Tio Mauro e Alexandre, casado com minha prima Rejane, tiverem o famigerado vírus e chegaram a ir para a UTI, mas voltaram para casa. A questão central não se resume aos parentes. Vidas humanas são imprescindíveis.
Parte da humanidade é muito estranha. Falo brincando, mas é sério: um dos problemas da humanidade é, exatamente, a existência de pessoas que parecem não ser humanas. Falta solidariedade. Empatia. E até simpatia.
O final de ano de 2020 foi muito diferente. Até jantar virtual com meus filhos teve que entrar em cena. Bruno, em São Paulo, e João Fernando, em Teresina. Se bem que o meu não influenciador digital, João Fernando, nem viu a chamada de vídeo. Ficamos eu, Bruno, mamãe e Neide num jantar virtual. Coisa muita estranha, porém possível. Não deve ser o novo normal. Confesso que não espero um novo normal. Parte da humanidade é muito estranha. Falo brincando, mas é sério: um dos problemas da humanidade é, exatamente, a existência de pessoas que parecem não ser humanas. Falta solidariedade. Empatia. E até simpatia.
Estou muito esperançoso com a possibilidade da vacina, com todo rigor cientificamente válido. E como sou super negacionista, pretendo tomar cinco vacinas: uma em cada braço; uma em cada lado da bunda. A quinta na testa. Não dizem que “de graça até injeção na testa?”. Inclusive, escolhi as nacionalidades das vacinas: indiana, estadunidense, inglesa, russa e chinesa.
Espero que os negacionistas não fiquem bravos ou, como dizem os matutos, “brabos”. Observem que tem vacina capitalista e comunista. Contudo, há controvérsia de que Rússia e China são, realmente, países comunistas. Quem leu o Manifesto Comunista (1848, Karl Marx e Friedrich Engels) saberá que a convocação política “Trabalhadores do mundo, uni-vos” não é uma realidade no mundo e nem na Rússia e China. Mas, os negacionistas colocam até Joe Biden – presidente eleito dos Estados Unidos – como comunista. Viva a ciência. Abaixo o negacionismo e o terraplanismo.
Pretendo ter mais cinco filhos/as e confesso que estou com dificuldades em escolher os nomes. Explico, segundo o plano de operacionalização para vacinação contra a Covid-19 no Estado de Pernambuco, existem 240 vacinas em desenvolvimento no mundo, das quais 42 em testes clínicos e oito em uso. Mas, em princípios, se chamarão Pfizer, AstraZeneca, Sinovac, Janssen Pharma e SputniK V. Dirão que os nomes são estranhos, que é uma loucura. E aquela família pernambucana composta por Xérox (pai), Fotocópia e Autenticada (irmãs), e Carimbo (filho)? No meu caso, será uma homenagem justa às vacinas que devem salvar inúmeras vidas no mundo.
O melhor e mais importante Bloco de Carnaval do mundo, a Feijoada da Mamãe, não sairá pelas ladeiras de Olinda em 2021. É danado, logo eu que não brinco carnaval. Levo a sério e vou para as ladeiras de Olinda na quinta, sexta, sábado, domingo, segunda e terça. Mas, tenho a esperança de que até as festas do final do ano de 2021 e o Carnaval de 2022, teremos um número expressivo de pessoas vacinadas e protegidas. Como diz meu amigo Gilson, um dos fundadores do Feijoada da Mamãe: só falta um pouco mais de um ano para o Carnaval de 2022. Vivam a ciência e o conhecimento. Que venha a vacina segura. Não quero deixar para levar a sério o carnaval somente no ano que irei completar seis décadas de existência.
*Fernando Silva é mestrando em Educação, Culturas e Identidades. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)/Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e integrante do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Olinda – PE. Escreve quinzenalmente, aos sábados.jfnando.silva@gmail.com
Foto destaque: super.abril.com.br
Parabéns querido Fernando.
Texto muito oportuno para pensarmos e repensarmos a COVID-19 e os nossos sentidos existenciais!
Adoro esse seu estilo autobiográfico , dá para sorrir mesmo num momento tão inóspito!
Excelente reflexão! Abraços!
Vera,
Obrigado pelo comentário. Com o agravamento da situação e as atrapalhadas governamentais, vide recente exemplo do avião que deveria ter indo buscar a vacina na Índia, será preciso não perder a esperança e agir, com força, no campo político (pressão, mobilização de rua, Congresso Nacional etc.) para frear as covids (doença no corpo e na política).
Conteúdo muito interessante, Fernando! Texto reflexivo e com estilo próprio! Leitura agradável, como sempre! Abraços! Dione
Dione,
Obrigado pela leitura e comentário. Vamos que vamos.
Muito bom Fernando. Adorei seu estilo auto referencial! Queremos mais!!
Tereza,
Muito obrigado pela atenção.
Consigo ouvir tua voz falando tudo isso, risos!
Então, vocé uma super conhecida.