Euclides da Cunha e os nossos sertões
Jénerson Alves*
Em 22.01.2021
Se estivesse vivo, o escritor Euclides da Cunha teria completado 155 anos no dia 20 de janeiro de 2021. Ex-militar, em 1897 foi enviado a Canudos, no interior baiano, para fazer uma cobertura jornalística sobre o arraial liderado por Antônio Conselheiro. Assim nasceu uma das mais importantes obras literárias brasileiras: Os sertões, considerada por muitos críticos como o marco inicial do período conhecido como Pré-modernismo. Dividido em três partes – A Terra, o Homem e a Luta –, Os sertões possui características literárias, mas também é marcado por aspectos jornalísticos, científicos e antropológicos.
O livro foi publicado em 1902, um ano antes de o autor ser eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), vindo a ser empossado em 1906, quando a Casa ainda estava sob a presidência de Machado de Assis. Em seu discurso de posse, deixou claro que, ao contrário de outros autores, procurava despertar a reflexão sobre as diversas facetas do Brasil, abordando temas até então olvidados em nossas letras. Desta feita, auto-designa-se como “escritor por acidente”, por ter sido habituado “a andar terra a terra, abreviando o espírito à contemplação dos fatos de ordem física adstritos às leis mais simples e gerais”. Eis mais um trecho do discurso:
“O poeta, o sonhador em geral, quem quer que se afeiçoe a explicar a vida por um método exclusivamente dedutivo, é soberano no pequeno reino ande o entroniza a sua fantasia. Nós, não. Os rumos para o ideal baralha-no-los o próprio crescer do domínio sobre a realidade, como se à hierarquia lógica dos conhecimentos positivos acompanhassem, justalinearmente, as nossas emoções sempre mais complexas e menos exprimíveis. Sobretudo menos exprimíveis. No submeter a fantasia ao plano geral da natureza, iludem-se os que nos supõem cada vez mais triunfantes e aptos a resumir tudo o que vemos no rigorismo impecável de algumas fórmulas incisivas e secas. Somos cada vez mais frágeis e perturbados”.
Na cerimônia, ocorrida em 18 de dezembro de 1906, foi recebido pelo acadêmico Sílvio Romero – o qual não foi hiperbólico ao proferir: “A Academia recebe em seu seio um poderoso escritor, mas um que pode colocar ideias, além de pronomes, porque estuda e medita, porque sabe ver e inquirir.”
Além de Os sertões, Euclides da Cunha também escreveu livros como Peru versus Bolívia; Contrastes e confrontos; À margem da História e Castro Alves e seu tempo. Foi autor do prefácio de Poemas e canções, de Vicente de Carvalho, e Inferno verde, de Alberto Rangel.
De acordo com Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, “Euclides constitui em nosso meio uma rara figura de homem de ciência e homem de letras, unindo os conhecimentos geográficos e sociológicos a um estilo de grande força verbal e definida personalidade”.
No ano de 1909, foi classificado no concurso para lecionar a cadeira de Lógica no Colégio Nacional, nome de então do Colégio Pedro II. Professou sua primeira aula no dia 21 de julho. Poucos dias depois, faleceu no Rio de Janeiro, a 15 de agosto de 1909. “Caiu morto quando, num gesto de desassombro, procurava desagravar a sua honra doméstica”, explanam Lins e Hollanda.
Atualmente, realidade e ficção parecem imbricar-se em movimentos aleatórios, os quais geram discussões incessantes e inócuas. Ler as obras de Euclides da Cunha parece ser um convite à busca pela realidade, carregada por um sentimento de amor à terra de Castro Alves. Atualmente, temos os ‘nossos sertões’. A violência assume formas diversas, certamente também existem ‘antônios conselheiros’ espalhados pela terra, carentes de novos euclides, que se surpreendam com o que existe e denunciem-no, eivados do sentimento de erigir o que se imagina.
Neste cenário, é possível ‘ouvir’ o eco das palavras de Sílvio Romero, ainda durante a posse de Euclides na Casa de Machado de Assis: “Já andamos fartos de discussões políticas e literárias. O Brasil social é que deve atrair todos os esforços de seus pensadores, de seus homens de coração e boa vontade, todos os que têm um pouco de alma para devotar à pátria”.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
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