A responsabilidade ética da alteridade

Por

Nelino Azevedo de Mendonça*

Em 27.01.2021

A nossa responsabilidade com a existência do outro é uma condição fundamental para a nossa própria existência. Ser responsável pela outra pessoa é um caminho ético que assumimos diante de nós mesmos, pois esse caminho é o que faz valer a dimensão de alteridade que nos direciona ao outro e essa atitude não implica, necessariamente, a obrigação de reciprocidade do outro para comigo. Devemos ser responsáveis pelo outro independente de uma simetria nessa relação interpessoal. Para Emmanuel Lévinas, ninguém pode substituir o outro na sua responsabilidade e mesmo exigir que haja uma reciprocidade de responsabilidade. Por isso, não devemos esperar reciprocidade nessa relação. Para Lévinas essa responsabilidade é indeclinável, você simplesmente não pode abdicar dela, mesmo que não haja correspondência.

Assumimos uma ética da alteridade na medida em que acolhemos o outro em suas necessidades e sofrimentos. Contudo, estamos vivenciando tempos em que a alteridade do outro é suprimida e isso tem servido como formas de desconstrução das nossas humanidades, pois, nesse sentido, quando um perde todos perdem. O que gera amor, carinho e solidariedade é a presença do outro, ninguém ama simplesmente se não está em convivência, pois, dessa maneira, o amor que nasce de si para si mesmo não passa de um narcisismo doentio e egocêntrico. O verdadeiro amor próprio só é possível na convivência, na relação e na presença do outro. É preciso entender que o sentido de cuidado de si apenas é possível na relação com o cuidado do outro. O amor próprio é uma doação de si para o outro, é isso que exige a ética da alteridade.

Os dias atuais nos assombram bastante, as diversas formas de aniquilação da vida, não apenas humana, tem nos colocado em um estado de incertezas e medos. Vivemos ameaçados nesses tempos hostis, numa insegurança que nos arranca de nossas humanidades e nos adoece. É preciso vencer a lógica do individualismo narcísico que nos arrasta para os nossos desertos e nos resseca a alma e faz brotar a morte em nós mesmos. Por isso, é preciso gostar de gente, amar o outro e reconhecer que o nosso semelhante é o que nos sustenta vivos e com possibilidades de amar. Essa não é uma tarefa fácil, pois exige de cada um renúncias e compreensões que, às vezes, estão para além das nossas limitações humanas. Por isso, é tão necessário o acolhimento, a compreensão, a solidariedade e a vivência do amor. Pois é a presença do outro que nos coloca a necessidade de assumirmos a responsabilidade com a alteridade do outro e essa presença é um convite ao amor, pela qual posso, reconhecendo e respeitando as diferenças, comprometer-me plenamente com a outra pessoa.

Assumir a responsabilidade ética pelo outro é um ato de amor, acolher o outro em suas dores e alegrar-se com o bem-estar do outro é também uma forma de expressar amor.

Precisamos nos desafiar nessa busca incessante pelo amor. Se, por um lado, a vida coloca o ser humano em encruzilhadas que o leva a atitudes de desafeto e de violências, e isso faz prevalecer a barbárie e as dores do mundo, por outro, não podemos mais adiar o chamamento para que amemos mais e mais. Amar nos pequenos atos, nas atitudes cotidianas, nas nossas convivências diárias. Assumir a responsabilidade ética pelo outro é um ato de amor, acolher o outro em suas dores e alegrar-se com o bem-estar do outro é também uma forma de expressar amor. O amor se concretiza nas atitudes de bem-querer com o outro, mesmo nas pequenas atitudes, pois ele não se mede por quantidade ou cálculos. Para isso, devemos acreditar no outro ser humano, sem essa crença não existe ética e, consequentemente, também não haverá alteridade e amor. Acreditar no amor é reconhecê-lo como a maior revolução dos nossos dias.

*Nelino Azevedo de Mendonça é professor, mestre em Educação e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve às quartas-feiras.

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