Não somos todos iguais. Ou somos?

Por

Enildo Luiz Gouveia*

Em 28.01.2021

Os períodos de crises, pandemias e catástrofes são oportunidades únicas para colocar a prova o discurso da igualdade entre as pessoas. No preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, feita em 1948, assinala-se: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Uma assertiva que ressalta a igualdade sem, contudo, negar a diversidade. Por sua vez, o pensador português Boaventura Santos, de forma brilhante nos diz que “temos o direito de sermos iguais toda vez que a diferença nos inferioriza e temos o direito de sermos diferentes, toda vez que a igualdade nos descaracteriza”. Contudo, no mundo real, diferentemente do ideal, as belas frases, os belos documentos e as nobres intenções, não são suficientes.

O recente episódio envolvendo a vacinação contra a Covid-19 no Brasil mostrou que estamos longe de superar a ideia de que há seres humanos membros de um seleto grupo que gozam de uma prioridade em relação aos demais. Não obstante os mais pobres terem menos condições (físicas, psicológicas e econômicas) de resiliência frente aos impactos socioambientais e as crises econômicas, estes também sofrem com as pandemias. No imaginário popular “os seres humanos superiores” são sempre identificados com os detentores do poder político, militar e econômico. Ou ainda, com aqueles famosos ou com os que desempenham as funções nobres como médicos, engenheiros e advogados. Lamento informar que nós, professores, não estamos neste grupo.

É bem estranho que os “fura-filas” da vacina sejam, em grande parte, negacionistas, contrários à política de isolamento sanitário e ao uso das máscaras. Membros de uma elite que pouco se importa com as mortes das milhares de pessoas, ou com a situação da saúde pública. Querem apenas fazer valer o seu privilégio de ser tratado de forma diferente dos demais, haja vista que não são iguais a estes.

Sempre que se fala em igualdade é preciso ter em mente que esta igualdade não exclui as diferenças. É uma igualdade na diversidade. Porém, neste grande grupo ao qual todos pertencemos, o grupo dos humanos, devia-se apenas tolerar as diferenças de ordem estéticas, religiosas, culturais, pensamentos, etnias, gêneros… e nunca, a diferença de acesso aos bens como a saúde, educação, habitação, alimentação.

O imperativo da igualdade de direitos decorre desta compreensão de que, apesar de sermos diferentes, temos os mesmos direitos e garantias. Neste sentido, o Estado assume um papel de vanguarda na defesa de tais direitos, sejam eles individuais ou coletivos. Mas, o que fazer quando é o próprio Estado que incentiva e promove a desigualdade? Quando o Estado, apesar de signatário de acordos internacionais, não cumpre sua função? Quando os soldados rasos comem “lavagem” e os generais camarão e leite condensado?

Eis que aí faz-se necessário que os que são diferentes por causa da negação dos seus direitos tornem-se iguais na luta. Ou seja, o reconhecimento de sua classe. A consciência de saber em que lado da guerra você vai guerrear. Sem com isto, cair na tentação de agir e pensar “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.” (G. Orwell – A revolução dos Bichos).

*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e membro da Academia Cabense de Letras – ACL. Escreve às quintas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.