Meio ambiente e o ano da boiada ideológica

Por

Arnaud Mattoso*

Em 30.01.2021

“Desastre” é um substantivo adequado para qualificar a atuação do Ministério do Meio Ambiente no governo do presidente Jair Bolsonaro, ao longo desses dois últimos anos, desde a posse em janeiro de 2019. Não apenas pelo aumento dos crimes ambientais, das queimadas e dos desmatamentos, significativos e históricos, nas regiões da Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, mas por todo o conjunto da obra. Este conjunto de má gestão ambiental inclui desde a não execução orçamentária dos recursos disponíveis até à redução gradual dos valores destinados pelo Governo Federal ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ao desmonte de instituições como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A tendência de queda de investimentos no MMA se acentuou nesse ano de 2021. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que deve ser votado no Congresso Nacional em fevereiro, prevê o valor de R$ 1,72 bilhão para todas as despesas da pasta no ano corrente. É a menor proposta de valor em duas décadas. Em 2009, os recursos destinados à pasta chegaram a mais de seis bilhões de reais. Os dados estão disponíveis no site do Observatório do Clima (OC) e fazem parte de uma série histórica, cujo montante nunca foi menor do que R$ 2,9 bilhões.

As informações do OC, organização civil que reúne diversas entidades ligadas às questões ambientais, criou o relatório “Passando a Boiada”, lançado neste início de 2021. O nome do relatório é proposital e faz referência à conhecida reunião de 22 de abril de 2020, quando o ministro Ricardo Salles sugeriu aproveitar o foco da imprensa na pandemia Covid-19 para “passar a boiada”. A analogia bovina seria aprovar projetos que vão contra a preservação ambiental e às normas internacionais das quais o Brasil é signatário.

O documento do Observatório do Clima traz dados e informações precisas do segundo ano do desmonte ambiental no governo Bolsonaro e são a prova de que as promessas do presidente de acabar com o ativismo ambiental e de fechar o MMA estão sendo cumpridas. Mesmo depois das cenas de horror das queimadas no Pantanal e o desmatamento recorde na Amazônia, a proposta de redução dos recursos à pasta MMA é sinal de que este governo não se importa em definitivo com o Meio Ambiente.

Pode-se atribuir o descaso ao ministro Ricardo Salles, cúmplice e executor dos crimes ambientais, mas a carta branca à má gestão vem do presidente da República, responsável pela escolha dos ministros e o guardião-mor das más feitorias. Para qualquer lado que se olhe a atuação desse governo, sejam nas pastas da Educação, Saúde, Meio Ambiente e Direitos Humanos há um desmonte do Estado democrático em curso de uma gestão sem rumo. Até a Economia e o combate à corrupção, duas bandeiras na plataforma de campanha de 2018, estão patinando na insensatez ideológica e na ausência da empatia presidencial com o Meio Ambiente.

A agilidade característica da jaguatirica não foi suficiente para evitar que este animal fosse alcançado pelas queimadas no Pantanal (2020) – Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)

A vitória de Joe Biden nos Estados Unidos é uma luz nesse universo de trevas. As primeiras medidas do presidente eleito sinalizam uma bem-vinda mudança de rumo nas questões ambientais em sintonia com líderes europeus e demais membros do Acordo de Paris. Essa mudança de rumo pode conter este governo nesse desmonte ambiental. O país virou pária e piada internacional pelas atitudes tresloucadas, negacionistas e terraplanistas de Jair Bolsonaro e dos seus seguidores-zumbis. Há consequências econômicas para atitudes hostis sobre biomas e ecossistemas.

É possível que a pressão internacional altere a rota atual do MMA, quando o lucrativo agronegócio, o mercado financeiro e os grandes exportadores nacionais sentirem as dificuldades vindas do exterior por essa governança fora da ordem global. As instituições brasileiras e os organismos de controle internos estão atentos aos excessos do Poder Executivo. É sinal de que a democracia brasileira vai superar esse momento e sair fortalecida de mais uma gestão perdida ao longo dos seus trinta e seis anos de redemocratização.

*Arnaud Mattoso é jornalista, pós-graduando em Comunicação e Marketing Político pela UNINASSAU – EAD

Foto destaque: Brigadistas tentam conter avanço das queimadas no Pantanal (2020) – Internet