O que é a felicidade?
Mirtes Cordeiro*
Em 01.02.2021
Em tempos tão difíceis é bom falar de felicidade, um sentimento que nos fortalece e que de certa forma nos acompanha na vida, o tempo inteiro. É comum se escutar com frequência os desejos de muitas felicidades a quem está aniversariando, felicidades para quem está casando – que geralmente se traduz num longo casamento – mesmo suportando as desavenças, tolerando os desafetos, tudo em nome de alcançar o lugar tão desejado, como se fosse a síntese da arte de viver, a felicidade.
Recebi de um amigo a cópia da síntese de um artigo escrito por Nat Rutherford, professor de teoria política na Royal Holloway, University of London sobre “a busca da felicidade”, que poderá ser frustrada se não compreendermos como se combinam os vários aspectos da nossa vida no mundo. Segundo o autor, “a vida é curta demais, para ser desperdiçada na procura da felicidade”.
Viver muito aguça a nossa inquietação e nos provoca a pensar cada vez mais sobre o que fazemos aqui, no planeta terra. Então, já me descobri rabiscando algumas linhas sobre essa questão e resolvi aprofundar a reflexão sobre essa busca, que às vezes parece insana, mas tão necessária e tão difícil para o ser humano, sobretudo nesse momento da pandemia, quando o medo também nos acompanha a cada passo.
No Brasil, além da pandemia que nos ameaça, sofremos também com a herança colonial que produziu todo tipo de desigualdade, e com medo das atitudes de um governo sádico, que se diverte com a infelicidade do povo.
Parece estranho que parte das pessoas que estão sintonizadas com o pensamento governamental, também buscam ser felizes.
No correr da vida nos constituímos como seres humanos, de muitos ganhos e muitas perdas, e seguimos nos equilibrando nesse percurso que é entrelaçado pelos caminhos e pelas vidas de outras pessoas. Tudo isso mediado pelo que chamamos de escolhas, conforme os novos conceitos da modernidade, e pelas decisões que nos são impostas pelo coletivo – a sociedade.
“A fixação de nossa cultura na felicidade pode parecer quase religiosa e, na verdade, é a fonte de mais sofrimento. Na nossa sociedade, felicidade virou o único bem superior que precisamos perseguir com toda força. Por toda parte nos prometem felicidade, comprando aquilo, viajar para tal lugar… Mas, pesquisas revelam que a procura desenfreada por felicidade é associada com maior risco de depressão. De forma menos dramática, todas as coisas boas da vida acarretam sofrimento. Escrever um romance, correr uma maratona ou dar à luz, todos causam sofrimento em busca do resultado final feliz”, diz Rutherford, em seu artigo.
Pela visão de Epicuro, já que o sofrimento é inevitável, precisa manter uma certa “contabilidade”, descartar onde a dor prevalece e aceitar outros onde consegue manter o sofrimento no nível mais baixo.
Parece que as pessoas que vivem mais conseguem ter melhor noção do que seja a felicidade, porque aprenderam com vasta experiência da vida que sofrimento, dor e estado de felicidade se alternam, sendo parte de suas atitudes existenciais.
“Aristóteles diz que tanto as pessoas mais sábias quanto as pessoas menos doutas concordam que toda a ação humana tem como objetivo alcançar a felicidade. Se faz parte da natureza humana o desejo de ser feliz, o fim mais elevado não poderia ser outro e, por isso, há esse consenso. No entanto, não há um consenso a respeito do sentido que a “felicidade” tem para todas as pessoas. O sentido que as pessoas atribuem à felicidade varia muito e é como se, de fato, não soubessem ou não fosse possível saber o que vem a ser a felicidade. Enquanto as pessoas sábias entendem que a felicidade é um fim em si mesma, as demais pessoas definem-na como se fosse “alguma coisa simples e óbvia, como o prazer, a riqueza ou as honras” (Aristóteles, 1973, p. 251).in mundo educação, Pereira dos Santos.
Marcelo Gleiser, físico brasileiro nosso contemporâneo, da nossa geração, em suas inquietações sobre o sentido da vida e o interesse pela ciência, fala que “o sentido da vida é dar sentido à vida. Não existe, ou deve existir, um fim. Pense num alpinista. Ele se prepara para subir o pico que vê à sua frente e, depois de muito esforço, consegue. De lá de cima, pode fazer duas coisas: se dar por satisfeito e descer, ou olhar em torno e ver todos os picos que ainda não escalou”.
A felicidade não pode ser um prêmio para quem luta a vida inteira por ela, mas pode ser um instrumento para desenvolver um processo de vida, assim se manifesta Karnal. Muitas pessoas pensam que a felicidade é um estado de sucesso necessário para se apresentar à sociedade
Na verdade, após muitas leituras, penso que a felicidade é um sentimento que brota em cada um de nós quando realizamos algo que nos proporciona estreitar a nossa relação com o bem, o belo, a ética, a conquista, o prazer, a alegria, o que acontece após a superação de momentos difíceis. Por isso, experimentar a felicidade é um processo individual e intransferível, e se aperfeiçoa ao mesmo tempo que desenvolvemos o nosso aprendizado enquanto construímos a nossa vida.
No mundo ocidental, aprendemos desde criança que deveríamos buscar uma vida plena de felicidades, concretizar os sonhos, acessar logo cedo um bem estar social distanciado de possíveis sofrimentos. Às vezes até se pensa que ter uma boa formação acadêmica, um bom trabalho e boa renda financeira é o caminho natural para a estabilidade de vida e consequentemente a felicidade. Essa busca se fundamenta na fé cristã e é o que figura no senso comum.
Observando a história de cada um, logo entendemos que a vida é intercalada por momentos de alegria, prazer, sofrimento, dor. Para se alcançar o estado de felicidade é preciso compreender e superar a dor, a dificuldade ou a perda. Muitos pensadores, filósofos contemporâneos têm falado que a paz interior, se conhecer ou ficar de bem consigo mesmo é fundamental para sentir, compreender e usufruir os momentos de felicidade. Porém, há que se viver muito e intensamente para chegar a esse estágio, o estado da sabedoria.
Vivemos um momento dominado pela internet e pelas redes sociais em que a comunicação acelerada potencializa a disputa entre o bem e o mal, entre o amor e o ódio, entre o pensar e a atitude praticada. Além disso, uma pandemia que vem solapando cada dia a vida da população, causando sofrimento, dor, medo e, sobretudo, ceifando vidas.
Ainda assim, o desejo de felicidade surge de forma muito prática, como um bem que precisa ser perseguido na forma de garantia dos direitos não reconhecidos, da preservação do bem maior que é a vida e se perde porque não se tem um leito hospitalar para ser atendido ou um tubo de oxigênio para respirar.
Para nós todos, habitantes deste planeta terra, atualmente a felicidade é ser vacinado contra o vírus. Não se trata mais de uma questão de direito individual, mas de um bem coletivo.
Por tudo isso, nós brasileiros não podemos deixar que a sandice de um governante impeça que o país não disponibilize a vacina para todos, porque se trata de um bem que proporciona a preservação da vida, que é felicidade, que não deve ser desperdiçada.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Internet
Boa reflexão Mirtes.
Penso que todos e todas desejam ser felizes e se afastarem da dor e do sofrimento , porém os dissabores e desafios da vida também fazem parte da existência humana. Talvez a felicidade seja esse olhar e sentimentos mais amplos de amor dirigidos a nós mesmos e a humanidade. Penso que quando aprendermos que somos todos interdependentes uns dos outros inclusive da natureza entendamos melhor a felicidade! Parabéns pelo artigo!
Muito bom este artigo Maria Mirtes!
Fiquei aqui pensando e acho a felicidade também é esse estado intangível que nos empurra para sempre querer mais, sonhar, acreditar que dias melhores virão!!🙏