Baile de máscaras

Por

Otávio Toscano*

Em 10.02.2021

“Hoje não tem dança
Não tem mais menina de trança
Nem cheiro de lança no ar
Hoje não tem frevo
Tem gente que passa com medo
E na praça ninguém pra cantar
Me lembro tanto
E é tão grande a saudade
Que até parece verdade
Que o tempo inda pode voltar”

O “Cordão da Saideira”, em versos impagáveis de Edu Lobo, ainda nos anos 1960, revela muito do momento de hoje. Carnaval na porta e o pernambucano vivendo apenas de saudade. As ruas estão tristes. Justo elas que já estariam cheias de foliões que sempre “queimam a largada” e enfiam o pé no frevo e na jaca, nas prévias de finais de semana anteriores ao período oficial e na chamada Semana Pré. E não é para menos, com a quantidade de gente morta por essa pandemia que teima em seguir deixando seu rastro de destruição no planeta. E, sem que seja qualquer sinal de desrespeito às vítimas e seus familiares, estão também doídas, pela ausência do frevo, do maracatu, dos afoxés, da festa de todos os ritmos.

Como tudo, esse momento vai passar. As vacinas parecem estar virando realidade e devem dar um basta nesse drama ainda nos próximos meses. Mas por ser a festa mais esperada do ano por boa parcela da população, vai ficar estranho não ver o galo gigante na Ponte Duarte Coelho convidando os foliões para o maior bloco do mundo, no Sábado de Zé Pereira. E a tradição sempre é falar que o galo está feio esse ano, “nunca vi tão esquisito”, para depois de vê-lo montado, imponente, parar para tirar foto, a caminho do Galo da Madrugada ou do Recife Antigo, nos dias restantes.

Estranho também vai ser ver as ladeiras de Olinda vazias. Cadê Pitombeira? Que horas sai o Elefante? O Acho é Pouco desfila hoje? E Ceroulas, por onde está? Que silêncio agoniante deve ser subir a ladeira do Bonfim, passar pelos Quatro Cantos e seguir até o Amparo sem ouvir um frevo rasgado das orquestras, sem levar um banho de mangueira, sem cruzar com agremiações menores a cada esquina, cada uma com um mundo de histórias de irreverência e alegria.

E a danação no Recife Antigo, com um maracatu passando do lado de uma orquestra de frevo e uma batucada de samba mais à frente, e todo mundo se divertindo, como se tudo fosse a mesma coisa? Os blocos mais tradicionais, com seus estandartes que datam do início do século passado, desfilando e recebendo os aplausos das novas gerações de foliões, os blocos líricos e suas pastoras enchendo o ambiente de poesia. É muita energia boa.

Claro que vai ser complicado ficar sem tudo isso e muito mais que o Carnaval de Pernambuco oferece, em todas as suas regiões, mas vai ter que ser assim. É somente um ano. Por enquanto, vamos ter que nos contentar com o Baile de Máscaras nas ruas. “É de fazer chorar”, mas é isso mesmo. Bem pior é quem não conseguiu se esquivar da doença e pena nos hospitais, ou mesmo quem não resistiu, e não terá outras oportunidades. Evoé, vacina, evoé, 2022, evoé folião pernambucano.

*Otávio Toscano é jornalista.