Como será a escola do futuro?

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 22.02.2021

Este texto escrevi a propósito de uma conversa com uma mãe de aluno sobre suas observações quanto à dedicação das professoras no planejamento e execução das aulas remotas, sobretudo para as crianças das séries iniciais, neste momento da pandemia do novo coronavírus.

A pandemia atrapalhou o funcionamento das escolas e com isso atrapalhou a vida das famílias e dos alunos. Louváveis as observações dos pais sobre a importância dos professores nesse processo que estamos vivenciando. Claro que as observações vêm mais das mulheres – mães e avós – que acompanham de perto os filhos e netos nas escolas e são ainda diretamente responsáveis pelas tarefas de casa. Na verdade, são colaboradoras no processo de aprendizagem escolar.

Professores foram impelidos a implementar outras metodologias, com uso de tecnologias diferenciadas dos métodos tradicionais de ensino. Com isso sofrem professores e alunos que tiveram de interromper um processo de aprendizagem presencial, onde a empatia fala mais alto, para adentrar num processo visual, remoto, de forma atabalhoada, sem que houvesse a formação necessária para o uso da tecnologia.

No entanto, é dos professores, mulheres na maioria, que deve surgir a grande mudança que sempre se esperou da escola desde que ela foi fundada.

Vale a pena retomar um pouco a história.

A Escola é uma instituição nova em nossa sociedade. Surgiu quando mudou a necessidade das famílias que viviam da coleta de alimentos e do artesanato, no momento que surgiu a posse da terra e a acumulação de propriedades. Isto aconteceu quando se desenvolveram outras formas de servidão e os donos de propriedades acumuladas foram se tornando aos poucos, mas sistematicamente, os donos do trabalho dos que nada possuíam, só a força de trabalho e a roupa do corpo.

As crianças, que na fase coletora acompanhavam a vida dos pais, também tinham responsabilidades nas atividades voltadas para a subsistência e muitos antropólogos identificaram em suas pesquisas que todos realizavam as suas atividades brincando e aprendendo.

A acumulação de riqueza culminou com a chegada da idade média e submeteu a todos ao sistema de servidão, onde “a principal lição que as crianças tinham que aprender era a obediência, supressão de suas vontades e reverência aos senhores e mestres. Um espírito rebelde era quase sinônimo de morte”. (in: Peter Gray, uma breve história da educação e do nascimento da escola)

O surgimento da chamada era industrial não melhorou a vida das crianças que seguiram sendo tratadas como pequenos adultos. As crianças acostumadas a realizar atividades laborais associadas às suas brincadeiras, onde havia ar fresco, água em abundância e espaço generoso, começaram a viver nas feiras e em fábricas escuras, locais onde se instalavam as oportunidades de trabalhar pela sobrevivência.

“Milhares de crianças morriam a cada ano de doenças, fome e exaustão. Foi apenas no século 19 que a Inglaterra aprovou leis limitando o trabalho infantil. Em 1883, por exemplo, a nova legislação proibiu a indústria têxtil de empregar crianças com menos de nove anos e limitou o trabalho máximo semanal em 48 horas, para crianças de 10 a 12 anos, e 69 horas, para crianças de 13 a 17 anos”. (Peter Gray)

Neste momento de acumulação de riqueza, a chegada da manufatura resultando na implantação da indústria foi o período em que se desenvolveram as concepções de que as crianças deveriam deixar o livre aprendizado, a brincadeira sem limite e deveriam aprender a obedecer, o que aconteceria através do cumprimento das ordens dos seus mestres.

Sob o manto da necessidade de aprender surgiram as primeiras ideias ou fundamentos filosóficos da educação, que consistiam, de certa forma, na subtração da espontaneidade da criança pela formação de um ser trabalhador capaz de produzir e atender as necessidades da sociedade industrial em ascensão. “Mas, certamente, a filosofia da educação ao longo daquele período, até o grau onde pode ser articulada, era o oposto da filosofia que os primeiros humanos tiveram por centenas de milhares de anos”. (Revista do Gestor Escolar)

A Escola surge na Europa no começo do Século 16, gradativamente, e se consolida até o 19, sob as novas ideias para aprendizagem, vindas das igrejas, sobretudo das igrejas protestantes que emergiam impregnadas pelo sentimento da Reforma Protestante, um movimento que se insurgiu contra as regras da Igreja Católica, fundamentalmente criticando o sistema de indulgências, ou seja, a forma como a igreja concedia o “perdão divino” para qualquer senhor feudal em troca de pagamento em dinheiro.

A Reforma Protestante tinha também o apoio da burguesia, religiosos e intelectuais da época, porque defendia o avanço e a modernidade da economia com o incentivo à prosperidade e a acumulação do capital.

A Escola como ela ainda é hoje, é um produto de uma necessidade histórica, e seguiu obedecendo as regras do desenvolvimento capitalista, sem se preocupar com o desenvolvimento do ser humano enquanto um ser partícipe no planeta terra. A Alemanha foi o país que liderou o processo de escolaridade àquela época.

Comparo a situação atual com o momento pós-Primeira Guerra Mundial, quando professores e especialistas em educação promoveram grandes movimentos pela reforma escolar, escola nova, considerando sobretudo a necessidades de mudança dos conceitos que conduziam a formação dos jovens para a participação nas guerras.

A Escola Nova foi um movimento de renovação do ensino que se mostrou especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. O “escolanovismo” desenvolveu-se no Brasil sob importantes impactos de transformações econômicas, políticas e sociais.

Nesse período, Anísio Teixeira teve grande influência defendendo a mudança dos conceitos educacionais, propondo uma mudança do seu caráter instrutivo para “uma verdadeira educação, que estimulasse o indivíduo a pensar e agir criticamente perante os problemas que o viessem confrontar”.

Anísio Teixeira se inspirava em John Dewey, filósofo e pedagogo norte-americano, uma referência no campo da educação moderna. “Para John Dewey, a escola não pode ser uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida. Assim, a educação tem como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem, fazendo com que a função da escola seja a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. Então, para ele, a educação teria uma função democratizadora de igualar as oportunidades. De acordo com o ideário da escola nova, quando falamos de direitos iguais perante a lei, devemos estar aludindo a direitos de oportunidades iguais perante a lei. (Amélia Hamze-UNIFEB)

A escola até hoje sofre a influência dessa época sendo vista como o lugar do conhecimento dirigido, geralmente através da doutrinação. Se mede a capacidade da escola pela capacidade que ela tem em colocar maior número de jovens em cursos universitários que proporcionam maior capacidade para o desenvolvimento de profissões que pagam melhores salários, dependendo do momento econômico. Não é só no Brasil. Formam-se crianças e jovens para o mercado de trabalho.

Conseguimos avançar no Brasil colocando quase todas as crianças nas escolas, sobretudo nas escolas públicas, mas não conseguimos avançar na aprendizagem. Mesmo com as avaliações definidas pelas diretrizes do PISA, programa coordenado pela Organização para a Cooperação para o Desenvolvimento Econômico, os índices de aprendizagem nas escolas brasileiras são muito baixos comparados com a média mundial.

Somente em 1996 tivemos aprovada a primeira Lei de diretrizes e Base para a Educação, contemplando todo sistema de ensino, da educação básica ao ensino superior.

Não conseguimos implantar o atendimento pedagógico através de creches, nem resolvemos o problema da evasão escolar, como também não conseguimos ampliar o tempo de permanência do aluno na escola.

A escola brasileira forma alunos para fazer o vestibular ou Enem e entrar nas universidades.

Até pouco tempo, a corrida era para os cursos de Medicina, Direito e Engenharia. Atualmente a corrida se dá para os cursos que envolvem a área das ciências da computação.

No entanto, vai ficando cada vez mais distante a responsabilidade da escola para com a formação para a cidadania, para a formação de pessoas com o espírito de solidariedade, humanismo, “homens que sejam sujeitos de sua história”, como dizia Paulo Freire.

A pandemia recoloca para a sociedade todas as questões que afetam as escolas brasileiras e impedem, historicamente, a aprendizagem dos alunos.

Quero retomar aqui a observação das mães, neste momento da pandemia, com a dedicação e o interesse de muitos professores e professoras, ao elaborarem suas aulas remotas ou virtuais sem que para isso tenham recebido qualquer formação.

Claro que neste momento professores têm as rédeas do processo e por isso devem ser apoiados e valorizados na sua grande empreitada.

“O que nós temos total certeza é que as bases da educação e suas disciplinas não acompanham as necessidades das futuras gerações. Uma pergunta que poucas pessoas fazem é: Como será a escola do futuro? Como serão os professores? Quais as disciplinas? O que deve mudar nesse novo momento da humanidade? Como será o currículo da nova escola do futuro? Para que profissões estamos educando as crianças”? Pergunta de uma professora ao ser pesquisada sobre o assunto.

É preciso corrigir o ritmo imediatamente e pensar numa escola capaz de promover atividades educacionais que estimulem o indivíduo a pensar e agir criticamente perante os problemas que tem a resolver ou confrontar durante a vida.

Ninguém sabe como vai ser o mundo pós-pandemia, muito menos a escola. Mas é preciso fazer essa construção a partir das experiências vivenciadas pelos professores que estão “com a mão na massa”.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Foto destaque: internet