A culpa não é do vírus
Jairo Lima*
Em 28.02.2021
Vez ou outra a humanidade é sacudida por algum abalo em proporções gigantescas, mas, apesar das consequências dolorosas, da retirada brusca da nossa zona de conforto, crescemos quase que em iguais proporções aos estragos das catástrofes. Ufa! Ao menos isso! O gráfico sísmico registra além dos ruídos dos gritos de dores, os movimentos de solidariedade que se espraiam. A ciência avança nos velhos e nos novos desafios surgidos, assim como também o desenvolvimento da nossa espiritualidade fica mais célere, dentre outras conquistas que só confirmam a máxima: cresceremos pela sabedoria ou pela dor.
Infelizmente, ainda não confiamos muito na nossa intelectualidade, ou melhor, para não falarmos nos melindres dos obstáculos impostos a ela pela vaidade e pelo orgulho que ainda imperam. Então, caminhar pela dor acaba sendo como uma opção quase que calculada e desejada.
Vejamos esse investimento recente da NASA, por exemplo. Gastou-se o equivalente a US$ 2, 7 bilhões e 20 anos de planejamento para apenas saber através do Robô Perseverance se lá em Marte tem micróbios. Sim, micróbios, porque se aparecer um ET diante de uma das nove câmeras instaladas com resolução 8k, muitos aqui na Terra infartariam.
Não vai aqui nenhum negacionismo à pesquisa, muito pelo contrário. Esse artigo pretende justamente valorar a ciência, mas cabe, sem sombras de dúvidas, o registro claro da inversão de valores, da ordem de prioridade distorcida. Enquanto muitos países ainda padecem na miséria absoluta, preferimos alimentar sonhos galácticos em detrimento da sobrevivência humana entre nós. É como se diz: cobrir um santo descobrindo outro.
Tá aí a pandemia exemplificando tudo isso. Já tivemos várias ao longo da história humana. Elas surgem, dizimam grande parte dos humanos, vão embora deixando claro recado que voltarão e, como sempre, voltam e irão continuar voltando. Passa a ser uma exaustiva provocação até percebermos que não adianta discutir e agirmos com estratégias para atacar apenas os efeitos. Morremos de medo das causas. Tocar na ferida exige coragem, propósitos e obstinação para de fato transformarmos o que é imprescindível e inadiável. Até agora o que há de concreto sobre a origem do coronavírus? Quais as suas reais causas? Por que surgiu?
Se apenas 10% do que o robô levou pra Marte fosse investido em pesquisas para resolver muitas das nossas mazelas, ao menos no campo da saúde estaríamos num patamar de livramento de muitas enfermidades. Para muitas doenças já teríamos a cura, mas ainda estamos infantilizados e paralisados por causa de tudo que é imediato, desde as demandas advindas das nossas atitudes inconsequentes às ilusões que nos escravizam nos pelourinhos dos prazeres efêmeros.
*Jairo Lima é poeta, artista plástico e membro da Academia Cabense de Letras.
Foto destaque: NASA – imagem do planeta Marte