Felicidade não se compra, mas a infelicidade custa caro

Por
Ayrton Maciel*
Em 01.03.2021
Felicidade é uma mistura de vários fatores. Às vezes, a pessoa possui uns e faltam outros. Às vezes, conquista outros, e não tem a todos. Mas, para ser feliz é preciso ter todos os fatores de felicidade? O senso comum entende a felicidade como um estado de ‘plena satisfação’. Pode ser a realização de um desejo remoto, um intenso êxtase. Totalmente, uma bem-aventurança integral, o nirvana humano – libertação  do sofrimento, superação do material e da ignorância -, segundo o budismo. Os filósofos, numa breve verificação, se complementam ou se contrariam na definição, o que nos leva à dedução de que a felicidade não é algo completo. Pode ser plena, mas finita (a contradição perfeita).
Nos últimos dias, a retomada da vacinação contra a pandemia do novo coronavírus – e já lastimando o infeliz absurdo da interrupção por falta de vacinas – nos mostrou a confissão da felicidade mais simples e plena: a sensação de que poderá continuar vivo. Ver e ouvir idosos e idosas emocionados, olhos em lágrimas, após a picada da seringa, foi contagiante. Chega-se a uma segunda dedução: a felicidade é algo contagioso. Você não toca, mas vê. O olhar contamina. A felicidade é abstrata e incompleta, porém, precisa de pouco para ser o nirvana, a satisfação de quem imagina estar flutuando. O permanente estágio depende de outros fatores, o que pode ser inalcançável.
No entanto, sentir a picada da seringa foi tão suficiente para se sentir feliz e transmitir felicidade que só nos leva a indagar-nos: por que há pessoas que consideram a vacina uma ameaça? Por que há quem negue a sua eficácia e busque desacreditar a ciência? Talvez, não sejam felizes, uma possibilidade. Todavia, nem todos são felizes, e nem por isso condenam o saber, a curiosidade, a experiência e a descoberta, porque esses curam, constroem, alimentam e enriquecem os povos. As sociedades é que são injustas, elas não dividem com menor desigualdade os benefícios do conhecimento. A culpa não é da ciência. Nem mesmo  pelo mal uso que dela possa ser feito.
É provável que a felicidade de uns incomode a alguns, e que outros – de tão maus que são – tenham a felicidade como adversária ideológica. Se não, por que negar vacinas e máscaras, se elas salvam? Por que ironizar o mal, ao recorrer à mentira para desmentir a verdade? Esses idosos e idosas que tomaram a vacina contra o novo coronavírus estão felizes por “tão pouco”: continuar a viver, voltar a rever, retomar os abraços, cafés e carteados. Mas, há quem se passe por Nosferatu para infernizar a felicidade de quem ainda vai conquistá-la, de quem apenas quer tão pouco. Como crença, os deuses derrotarão Nosferatu, como sempre. Mas, o mal não tem reversão, pelo tempo que durou, pelo tempo que não volta.
O filósofo francês positivista Auguste Comte (1798-1857) ressaltou a ciência e a razão como instrumentos para nortear o ser humano na busca da felicidade, que seria baseada na solidariedade. O pai da psicanálise Sigmund Freud (1856-1939) definiu que a busca da felicidade é o que move o ser humano, pelo principio do prazer, no entanto, a busca estaria fadada ao fracasso, uma vez que seria impossível o mundo real satisfazer a todos os desejos humanos. Seria o “princípio da realidade”, segundo a qual, só permitiria, no máximo, uma felicidade parcial. Que seja assim, com vacinas para todos.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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