Livro retrata abusos sexuais nos garimpos clandestinos da Amazônia

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Mariana Lima/Observatório do 3º Setor

Em 02.03.2021

A região da fronteira entre Brasil e Guiana Francesa é talvez a mais desconhecida e de difícil acesso do país. A rodovia BR-156, que liga o município de Oiapoque, ponto mais distante do Amapá e próximo da fronteira com a Guiana, à capital Macapá não é asfaltada.

A localidade apresenta uma ausência quase que total do Estado, o que permite a continuidade da febre do ouro que dá origem a centenas de garimpos clandestinos, lugares onde desvios são punidos com violência e onde meninas e mulheres são as mais vulneráveis.

A gaúcha Ana Beltrame, de 68 anos, foi cônsul-geral do Brasil em Caiena, capital da Guiana-Francesa, entre 2008 e 2013, e precisou, por diversas vezes, prestar assistência a menores brasileiros vítimas de abuso sexual e outras violências na região.

As histórias reais que ouviu das violências que ocorrem na fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, Beltrame resolveu transformar em uma única ficção para seu primeiro livro: ‘O passeio de Dendiara’, da Tema Editorial.

Na obra, Beltrame relata o encontro de uma diplomata com uma menina em situação de risco. Para ela, o livro não é uma denúncia, mas um chamado à responsabilidade de todos os agentes do Estado.

Dendiara, a personagem que dá título ao livro, é a encarnação da tragédia brasileira em relação à infância em uma terra sem lei: analfabeta, sem documentos, abusada sexualmente em um garimpo clandestino, grávida aos 10 anos e abandonada sozinha em uma rodovia na região de fronteira.

Casos como o da personagem chegavam ao consulado do Brasil em Caiena trazidos pela polícia francesa, uma vez que a Guiana Francesa é um território ultramarino da França.

O consulado era chamado para conversar com a criança, entender sua história, acionar os conselhos tutelares em Macapá ou Belém e providenciar os documentos para que a menor voltasse ao Brasil.

A obra de Beltrame mostra a fragilidade da estrutura do Estado brasileiro na fronteira, apesar de ter estrutura.

Em garimpos clandestinos, pequenos e escondidos sob a mata densa da floresta Amazônica, mulheres costumam cozinhar e cuidar da roupa ou estão à frente de pequenos comércios que trazem aos homens itens como cigarros.

Neste mesmo espaço, crianças e adolescentes se prostituem. No livro, a personagem Dendiara ajuda uma mulher mais velha, a “madrinha”, na cozinha do garimpo. À noite, ambas se prostituem.

Beltrame ressalta que a prostituição na região da fronteira é totalmente naturalizada. A prostituição seria a única forma das mulheres pegarem a parte delas do ouro.

Vale pontuar que a maior parte dessas mulheres chega ao garimpo por vontade própria. Muitas acreditam que irão se prostituir por um ano e comprar a casa própria.

Contudo, a maioria não consegue, adoece, e não volta. As conquistas feministas não chegaram à fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.

Na violência dos garimpos clandestinos, meninos também não estão imunes. Se elas sofrem abuso sexual, eles são usados como mão de obra nos garimpos de galeria.

Escuras e apertadas, essas estruturas são pequenas para o corpo de um homem adulto, por isso muitas vezes são escavadas por meninos, que têm seus corpos deformados por esse trabalho.

Fonte: Celina | O Globo