A nova guerra fria
Ayrton Maciel*
Em 14.06.2020
A queda do Muro de Berlim, em 1989, é o marco do fim da Guerra Fria, o período da bipolarização Estados Unidos versus União Soviética (dissolvida em 1991), o confronto ideológico de duas potências nucleares por 45 anos, no mundo, caracterizando o antagonismo capitalismo versus comunismo. No vácuo deixado pelo conflito, surgiu uma nova guerra fria, centrada no domínio da economia mundial, um jogo de força que tem como protagonistas os EUA e a China. A questão ideológica passou a ser secundária, uma perspectiva de utopia, na qual a ideologia permanece viva entre os atores.
A nova guerra fria é alimentada por visões antagônicas legadas da anterior – permanentes nos princípios – sobre “o justo e o injusto, a divisão e a pobreza, a desigualdade e os direitos, o humanismo e os preconceitos”. E, no contexto desta nova guerra fria se explica o bioterrorismo, tese colocada de forma ideológica na discussão sobre a catástrofe do novo coronavírus no mundo. É parte da nova guerra geopolítica ideológica, substituta da Guerra Fria do pós-Segunda Guerra. Centros de pesquisa do mundo já descartaram o Covid-19 como arma biológica, mas o presidente Donald Trump, dos EUA, insiste na acusação.
O vírus pegou a todos os países de calça curta. Os governantes que minimizaram a sua gravidade estão pagando um preço alto em vidas perdidas. Teorias da conspiração, agora, atendem muito mais aos interesses de extremistas de direita, racistas, supremacistas e grupos anti-imigração que propagam, pois querem consolidar como verdade, a China como culpada. O vírus nasceu na China, mas não é chinês. Como a Gripe Espanhola de 18 nasceu em Kansas (EUA). Vírus não tem pátria, pode surgir em uma das milhares de favelas da América Latina ou da África ou da Ásia, onde as condições sanitárias de vida expõem o ser humano.
Bioterrorismo é parte da dialética do jogo geopolítico da nova guerra fria. Trump usa o poderio econômico e militar dos EUA para alcançar objetivos econômicos e eleitorais, ameaçando, agora, até internamente para conter as manifestações antirracismo. Xi Jinping dá continuidade aos objetivos da China – a segunda maior economia do planeta – de expansão econômica e, neste conflito, a força pode acabar sendo o extermínio da razão.
Por desconhecimento, negligenciamento e priorização da economia, os países se descuidaram do grau de perigo do vírus. Países europeus relativizaram, talvez pensando que as condições sanitárias do continente seriam uma barreira à propagação. Trump ironizou e paga caro; López Obrador esnobou e o México paga caro; Bolsonaro zomba e o Brasil paga caro. Não fossem governadores e prefeitos com o isolamento social, mesmo com o desrespeito por parte da população, a disseminação da Covid-19 estaria sem controle. O tempo para se preparar para a pandemia fará a diferença final.
Não estamos diante do fim do mundo. Nem a economia mundial, incluindo a do BR, vai começar do zero. Ela está estruturada, globalizada e integrada. Vamos retomar de onde paramos, mesmo com as perdas de uma guerra. Empresas bem geridas e que estavam crescendo vão continuar crescendo; empresas mal geridas ou em dificuldade vão ter a oportunidade de renascer da crise ou vão quebrar; pequenas empresas precisarão de crédito facilitado, e aí é esperar que o governo não seja obstáculo, para retomar atividades num mundo de demanda reprimida, ávido para consumir e buscando formas para tal.
Não há apocalipse à frente. O conhecimento vencerá (no desconhecimento, a ignorância termina sendo carrasco da razão, o que acaba tendo o mais alto custo). O erros têm de ser reconhecidos antes de um perdão, se couber. O prefeito de Milão pediu desculpas por ter incentivado o povo a ir às ruas, o primeiro-ministro italiano está sob investigação. Podiam ter evitado o pior? O povo tem de saber. Quem errou tem de ser responsabilizado. Perdão ou não é a consequência. O inaceitável são a ignorância, a negação da ciência, a negação da educação e a negação da Justiça.
* Ayrton Maciel é jornalista. Escreve aos domingos.
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